terça-feira, 23 de novembro de 2010

VISLUMBRES DA INFÂNCIA 5


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Como era gostoso meu tempo de infância. Eu era feliz e não sabia. Gostaria de recordar outros fatos de minha meninice, de meus sete, oito anos de idade, além dos já abordados.


Estava com esta idade no Grupo Escolar Moraes Barros. Naquele tempo, apesar de não termos mais a terrível palmatória (cujas histórias chegavam aos meus ouvidos por minha mãe, também professora escolar), ainda existia o hábito de, em alguns casos, ser colocado pelas antigas professoras, sentado ao lado da lousa, “de castigo”, quando éramos muito barulhentos, indisciplinaodos ou quando não conseguíamos escrever ou ler as palavras corretamente. Era uma situação vexatória, humilhante, mas com ótimos resultados. No dia seguinte sabíamos tudo o que era necessário para não incorrermos de novo naquela situação desagradável, e nos livrarmos das zombarias dos colegas.




Também neste tempo as eleições eram um tempo de diversão. Muitas táticas, hoje totalmente proibidas eram utilizadas, e nós, crianças daquele tempo, não deixávamos de notar e tentar tirar alguma vantagem.




Próximo a minha casa quando era criança, uma série de políticos costumavam alugar imóveis, e faziam deste, seus currais eleitorais. Neste tempo o papel era caro, e nossa diversão era conseguir material para podermos colar ou recortar, usar em nossos bodoques de dedo ou tubos da folha de mamão ou mesmo fazermos nossos aviõezinhos de papel. E também não podíamos deixar de notar pessoas saindo com um pé de sapato, uma prótese dentária (geralmente a inferior) ou outros objetos. Eventualmente até com dinheiro saiam, somente que era apenas metade da nota. O que faltase deveria ir ser pega depois da eleição, desde que o político fosse eleito.





No dia da eleição eram caminhões e mais caminhões que saiam indo buscar eleitores na área urbana e rural, distribuição de refrigerantes e lanches, “santinhos”, e todo o tipo de propaganda impressa. Bandeiras e mais bandeiras circulavam pela cidade, carregadas pelos militantes políticos, fossem a pé, fossem em veículos com grande alarde. Era uma verdadeira festa, que engajava a todos, eleitores e não eleitores. E é claro que havia também as discórdias que ocorriam quando grupos rivais se encontravam. Isto geralmente sucedia nos locais onde ocorriam as votações ou suas cercanias.




E depois da apuração, que demorava alguns dias, era uma verdadeira romaria destas pessoas vindo buscar a paridade do objeto antes conseguido...






Também nas cercanias havia sede de outros partidos. A sempre desculpa que usávamos era que eles queriam se fizéssemos propaganda para eles ou para os adversários. E assim além do almejado papel de propaganda, sempre conseguíamos obter mais alguma vantagem, que logo era convertida nas padarias em doces ou deliciosas balas, para o verdadeiro terror de nossas famílias. Quando descobertos, não raro acontecia alguns aconchegos (palmadas) em nossos traseiros. E destas terríveis travessuras infantis sobraram algumas recordações, como as que decoram este texto, do General Lott, de Adhemar de Barros, Juscelino Kubitschek, de Janio Quadros e outros.







Com este e os outros textos de recordações já mostrados, não poderia deixar de relembrar uma clássica poesia, de Casimiro de Abreu, um pouco mais que sesquicentenária, que a grande maioria dos antigos alunos dos cursos de grupo, ginásio e colegial ainda devem tê-la guardada em algum canto sombrio, quase insondável da memória, e que transcrevemos:








Meus Oito Anos
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
Como são belos os dias
Do despontar da existência !
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !
Que auroras, que sol, que vida,

Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !
Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !
Livre filho das montanhas,

Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !




sábado, 25 de setembro de 2010

RALPH, REQUIESCAT IN PACE






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Hoje você se foi. Depois de um longo mês de sofrimentos, você nos abandonou. Todos sofremos demais assistindo sua passagem. Todos lutamos para que isto não viesse a se concretizar, mas não foi possível, o destino não quis que você ficasse entre nós.

Mas o tempo que permaneceu conosco foi extremamente gratificante. Lembro-me a primeira vez que fomos apresentados. O responsável por isto foi meu sobrinho Ricardo, que o trouxe para casa de meus pais. Foi pelos idos de 1984. Ao inicio você era quase que totalmente branco, com algumas manchas pretas esparsas pelo corpo. Era extremamente pequeno e indefeso.

Minha mãe não queria você por perto alegando que quando você fosse adulto, seria grande e daria por demais serviço. Mas apesar dos pesares de imediato nos cativou e de modo irreversível. Ao início mal ficava de pé, e cabia sobre a palma de minhas mãos.

Seguramente não teria mais que uma semana. A história é que foi achado na rua. Nunca acreditei nisto, mas também nunca quis saber de onde era originário. Sempre tive um medo medonho de perdê-lo.

Quando voce entrou em minha vida ainda tinha os olhos fechados e mal comia E o que sem duvidas sabia fazer, e com maestria era chorar a ausencia do calor do corpo de sua mãe.

Durante um tempo isto atormentou a vida de muitas pessoas. Mas elas, as conhecidas bem como as desconhecidas tiveram a suficiente paciência para suportar suas lamúrias.

O início foi difícil. Você não queria saber de comer, a realidade é que ainda nem sabia. Olha lá ainda se sabia mamar. Foi um começo de dar leite na boca, com colher, com mamadeira, protege-lo contra o frio e intempéries da natureza. Depois com os olhos abertos começou a identificar o leite, e a tomá-lo. Mas também nunca dispensou as belas “molhadas” nos locais e horas mais imprevisíveis. Às vezes, sua sede era grande. Não foi por uma só vez que você tomou cerveja, quando ainda era criança. E o pior era que você gostava e sempre queria mais. É claro que eu não podia dar. Era algo impróprio para você.

Mas o tempo correu. Você foi crescendo. Logo minha mão não era suficiente para conte-lo. Foi necessário arranjar uma pequena sacola. E você nunca gostou de ficar a sós. Quando percebia que ia sair, não tinha dúvidas, abria o maior berreiro. Quase sempre você podia acompanhar-me. Mas quando isto era impossível, aí as coisas eram difíceis para mim.

Para acostumá-lo a ficar no quintal, foi outro grande sacrifício. Não queria ficar. E o pânico nunca deixou de dominá-lo. Principalment4e nos dias de chuva, quando trovoadas e relâmpagos povoavam a noite escura. Aí o medo era por demais, e fez inclusive com suas unhas, a porta da cozinha fosse destruída. Isto me obrigou a recobri-la com folha de zinco.

O tempo continuou a correr. O quintal já não era mais suficiente para seu tamanho. Todos os fins de semana, e sempre que podia, colocava-o no carro e íamos passear. Você sempre gostou de passear de carro. A sua alegria era incomensurável. Soltava ganidos de prazer. Latia para os animais. Desafiava-os com seus latidos. Quando solto nos campos, espraiava-se em loucas correrias, esbanjando sua saúde. Sempre foi um pouco desajeitado ao correr. Não só por uma vez tropeçou sobre suas próprias pernas. E aí caia gostoso, embolando-se pelo chão. Algumas vezes saia saltitante, outras, olhava-me com aqueles olhos, tentando entender o que havia acontecido.

Nunca vou esquecer a primeira vez que você nadou. Ficou a olhar para aquele mundareu d’agua do lago da prefeitura. Depois olhou para mim, como que pedindo autorização. Entrou com muito cuidado ao inicio, como que para prová-la. Saiu, e depois de olhar-me, sem dúvidas com receios, deu um magnífico pulo dentro dela. E aí saiu a bater as patas dianteiras. E eu todo preocupado, porque era a primeira vez que escapulia de mim para as suas reinações.

Este esquema continuou por algum tempo. Mas via que era impossível mante-lo. Você necessitava de mais espaço, de ter sua própria vida, seu mundo. Decidi-me então a deixá-lo na chácara. A primeira vez que o levei lá, fui buscá-lo logo à noite. Havia caído uma chuva por demais intensa. A inquietude foi demais. E ao chegar lá, em plena noite, fui encontrá-lo totalmente molhado, coberto de barro, tremendo de frio e de medo. Trouxe-o para casa. Foi uma noite longa, lavando-o no banheiro e secando-o com panos e depois com secador de cabelos.

Houve um período em que você conseguiu viver lá, tendo sua própria vida e espaço. Mas por diversas vezes, o trouxe em péssimo estado para cá, pensando que você viesse a ir. Graças, sempre consegui recupera-lo. Sempre tive o cuidado que não passasse o inverno lá. Você nunca foi amigo do frio. Sempre sofria demais neste período.

Mas sua idade foi avançando. Nestes dois últimos anos que você ficou conosco, senti que apesar de tudo, era preferível priva-lo de ir lá, e tê-lo comigo. Trouxe-o de novo para o pequeno quintal. Aí você dormia, no verão e no inverno, dentro de casa, sobre os tapetes.

Há uns dois meses apresentou um sangramento nasal violento. Você sempre o teve, mas não significante. Fiquei assustado. Todo o quintal ficou lavado de sangue. Ignoro o que foi feito por quem o tratou, mas você nunca voltou bom.

Mas o mês de maio foi terrível. Foi bem ao início. Um dia, você acordou sem poder andar. Suas pernas não obedeciam a seu desejo. Tentava andar, mas elas não se movimentavam adequadamente. E você esborrachava-se no chão.

As coisas não estavam nada bem. Eu estava preocupado. Já tinha notícias de muitos de sua raça que haviam tido problemas similares, e não haviam conseguido resistir. Lutamos, e com todos os recursos e forças possíveis. Por algumas vezes, pensei que fossemos ter sucesso. Mas depois as coisas permaneceriam, e você nada de sarar.

Diversos veterinários foram consultados, muitas medicações foram administradas. Mas não havia melhoras. Você continuava sem forças, sem ânimo. Olhava seu rosto, se sentia que você suplicava pelo auxílio que não poderia ser dado.

Na última noite que o vi conosco, senti em seu olhar a dor e tristeza estampada em seus olhos. Despedi-me, pensando que ainda o haveria de vê-lo no dia seguinte. Mas quando chegou de manhã, soube que você já tinha ido. Nada mais havia a ser feito, a não ser dar o devido repouso ao seu corpo cansado.
Assim, no mesmo dia, você foi levado para ficar junto com ou outros, que muitas alegrias haviam trazido a mim e à minha família. E a única coisa que restou, e que acalentou sua ausência, foi a tenra lembrança de suas alegrias. Seu ânimo inquebrantável, e as sensações ímpares que transmitiu durante sua passagem conosco.

DIVAGAÇÕES


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Há momentos que, dentro de uma retrospectiva existencial, começamos a reavaliar série de fatos, alguns vivenciados, mas a grande maioria em que fomos testemunha durante nossa existência.
Ontem surgiu a vontade em divagar sobre as experiências, implicações existenciais das gerações pós-guerra, e as mais diversas influências que foram submetidas. Oriundas basicamente de uma criação férrea, onde as rédeas familiares e sociais eram extremamente curtas, estas pessoas, devido a uma série de fatores, que citaremos alguns, despiram-se do bridão que eram submetidas, e começaram a andar cada um em seu próprio passo e pelos locais que lhe mais apetecessem.
Há 50 anos iniciou-se um movimento de contra cultura, com a formação de comunidades hippies, que foram sedimentados com o “Summer of Love” (1967) e o Festival de Woodstock (1969).
Há aproximadamente 40 anos, quando entrou no circuito “Satyricon”, de Frederico Fellini (1920-1993), obra que ressalta os costumes sobre a Roma antiga. Seguramente o caráter de exposição deste filme, associados a outros contemporâneos, como “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick (1928-1999), foram importantes na modificação existencial dentro de uma juventude que via em “Hair”, “Oh Calcutá”, dos movimentos contra culturais já mencionados e outros, novas formas de se encarar a motivação existencial como uma busca de novos objetivos, valores e sensações (muito diferentes dos impingidos pelos genitores e a sociedade), em que viessem a constituir em mundo onírico, a busca ilimitada pelo prazer descompromissado, tendo como apoio “As Portas da Percepção” (1954) de Aldous Huxley, Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio (1939) de Henry Miller (1892-1980), os 120 dias de Sodoma do Marques de Sade (1740-1814), e ainda solidificados nas conseqüências diretas e indiretas na juventude, da Segunda Guerra Mundial, da Guerra da Coréia e incluso a Guerra do Vietnam. Assim como o livro 120 dias de Sodoma, Laranja Mecânica ousou a esboçar os “deleites” criminosos de agressão, estupro e assassinato, ignorando o sofrimento das vítimas e desrespeitando o mínimo da dignidade e dos direitos humanos, mas também não deixou de retratar a resposta de uma sociedade vingativa, malévola e cruel com seu algoz, e tudo isto regado ao som do 4º movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven. Se fosse apenas para se mostrar condicionamentos psicológicos, haveria outras formas mais acessíveis que esta contínua violência grátis. Só nos resta lembrar sua última parte da 9ª de Beethoven, onde está colocado o Ode à Alegria, de Schiller (1875), que tem significado extremamente profundo:

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!

Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!

Teus encantos unem novamente
O que o rigor da moda separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu vôo suave.

A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se connosco!

Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.

Ela nos dá beijos e as vinhas
Um amigo provado até a morte;
A volúpia foi concedida ao verme
E o Querubim está diante de Deus!

Alegres, como voam seus sóis
Através da esplêndida abóboda celeste
Sigam irmãos sua rota
Gozosos como o herói para a vitória.

Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.

Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes ao Criador?
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.


A “descoberta” ou melhor dizendo, a conscientização da presença de um novo mundo, basicamente onírico, mas passível de ser saboreado parcialmente, paralelo com o nosso, já era referida por William Blake (1757-1827) no conceito que "Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito". Esta será uma das bases para a concepção de “As Portas da Persepção”. Sigmund Freud (1856 1939) e Carl Gustav Jung (1875-1961) também enveredaram-se pelo mundo onírico para análise e entendimento de distúrbios mentais. Esta foi a justificativa para o uso de drogas, fosse como uma chave que abrisse porta para novos mundos, seja para o uso psiquiátrico das drogas, processo atualmente não mais aceitos.
Poderíamos classificar no mínimo como surrealista todas estas colocações anteriormente citadas.

Independente de seus personagens centrais Encolpio, Gitone e Ascilto (de Satyricon), que fundamentam as aventuras dos personagens e seus valores morais, que oscilam dentro da liberdade irrestrita e vivência de libertinagem sem limites, da lauta refeição celebrando a morte, do minotauro e todos os outros conceitos expressos por Gaius Petrônius Arbiter (27-66) em plena época de Nero, da visão de Kubrick, de Blake, de James Rado (1932-) e outros (Hair), de Kenneth Tynan (1927-1980) (Oh Calcutta), o que realmente observamos é um eterno ciclo existencial dos fatos, da busca do prazer, de “novas experiências” repetitivas, onde os antigos conhecimentos caem no esquecimento e são “reinventados” posteriormente por outras pessoas, até a real tomada de consciência dos fatos, como o narrado no excepcional texto de Fernando Pessoa, no Cancioneiro:

Conta a lenda que dormia

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Se falarmos sobre vida e morte, ambivalências e receios do ser humano, sobre incapacidade de enfrentarmos situações do sol nascente, da inquietação de que depois do poético pôr do astro rei, que este não mais venha a brilhar nos céus, se desejamos moldar o amor homoerótico como forma homofóbica de relacionamento, de termos medo dos “elefantes” e desejarmos ser simples “formiguinhas” dentro do mundo de “Cléo e Daniel” (Roberto Freire 1927-2008), bem como enfrentamos o papel de Gaby ou Benjamim, tudo isto são opções que nascem e se exteriorizam, que se moldam quando de posse de nossas vivências e experiências, quando atingimos a capacidade de, controlando o superego, mesclarmos o ego e o id de forma mais harmoniosa possível. Reprimindo o superego ao maior nível até o ponto de aniquilá-lo, poderíamos desfrutar de realizações de nossas maiores realidades íntimas de uma forma mais e mais crescente até atingirmos um ápice, onde se encontram, quase sempre escondidos dentro do mais profundo âmago do labirinto de nossas mentes, nossas mais secretas ambições, mas sempre se constituirão de experiências extremamente perigosas, de conseqüências totalmente imprevisíveis. Existem, pois, dentro de cada um de nós, inúmeros Mazzaropi, John Wayne e outras miríades de pessoas, todas com seus grllhões. Existe Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Mas não dão vislumbres de viverem a não ser em nossos maiores e soturnos pesadelos. Basta apenas, dentro da realidade diária, termos a capacidade e coragem de entreabrirmos as portas onde moram para ver o que ocorre... Seguramente não iremos encontrar muitos “Sidarta”, mas seguramente diversos “Lobos da Estepe”. Se ousarmos escancarar as portas e rompermos as amarras, primeiramente iremos ver, observar, sentir, e seguramente depois seremos obrigados a conviver, se não formos englobados e até mesmo totalmente dominados por todos estes demônios libertos que habitam no nosso íntimo...

Não devemos esquecer que o ser humano tem ódio e medo do homem total e irrestrito, pois constitui a medida de sua própria ineficiência e frustração interior. Constitui este último a âncora e ponto referencial onde se cria a possibilidade de avaliar a medida da incapacidade de cada ser humano, o que é intolerável, pois o conscientiza de seus próprios valores íntimos, muitos dos quais seguramente obscuros e violentamente reprimidos. Exemplificando o fato, entre múltipos exemplos plausíveis, basta relembrar Édipo Rei (Sófocles), Electra (Sófocles), Relatório Kinsey (Alfred Charles Kinsey 1894-1956) entre outros.

Talvez Joseph Rudyard Kipling (1865-1936) tenha a mais significativa colocação existencial quando se refere em “Kim” à “Roda da Vida” (Bhavachakra) e introduz este conceito criado pela extinta escola Savastivada.

Se desejarmos avançar mais dentro do estado metafísico do espírito, mas descompromissado dos valores religiosos passados ou atuais, nada melhor que o “Bardo Thödol”, para vislumbrar valores etéreos que se sublimam, e como nuvens de fumaça, sobem esvoaçantes pelo ar, mesclando-se com ele até desaparecerem.

Em suma, se podemos analisar ocorrências sob um prisma material, mesclando as observações de fatos passados sob a visão atual (independente de sua validade), em hipótese alguma podemos olvidar o exame dos mesmos sob o prisma psicológico, conseqüência acarretadas pela mescla das vivências das realidades existenciais com o mais profundo de nosso interior.
Dentro da maturidade que se segue ao se varrer quase todas as experiências possíveis, quando atingimos a fase de “espectador como Sidarta, vendo o rio passar...”, acordamos para algumas realidades que não conseguimos ver dentro da impetuosidade anterior, que reza “um povo sem passado é um povo sem futuro”, e o mesmo se aplica ao conceito de família, e mesmo ao próprio conceito pessoal.
Uma última consideração que não poderia furtar-me a fazer em relação a tudo que foi abrangido neste ensaio, como disse Antoine de Saint Exupéry (1900-1944) em sua imbatível obra “O Pequeno Príncipe”, “o essencial é invisível aos olhos”.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

DIVAGAÇÕES SOBRE O FENÔMENO HUMANO -1-



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"A força não provém da capacidade e sim de uma vontade indomável." Gandhi







Há um motivo para iniciar o texto com uma águia e formigas. São os dois extremos típicos de comportamento, o primeiro em sua altivez única, um elemento que vive no máximo com sua companheira, e formigas do outro lado, uma sociedade altamente desenvolvida onde cada elemento executa sua função por toda a existência, do nascimento até a morte. Cabe ao homem, como ser racional, e com direito de opção a escolher as tendências que mais aprecie dentro de sua vida, cada uma com suas vantagens e desvantagens.

Tentaremos dentro desta série de divagações, a flutuar entre uma e outra situação, tanto no aspécto material como no filosófico. Não há intenção de se elogiar ou criticar fatos, situações, opções e mesmo a religiosidade de cada um. Unicamente de se criar o motivo de consciência e discussão do ser humano sob o aspécto material e sobre sua visão metafísica .



Os olhos estão marejados. O fonógrafo esgana-se, insiste em fazer-nos ouvir músicas que nossos ouvidos e mente negam-se a querer reconhecê-las, mas em nossa pele produzem calafrios enquanto vagas e distantes lembranças, esvanecidas em brumas, insistem em se fazer presentes. Falam de assuntos onde há a sensação que passamos por eles há muito tempo. Fazem-nos começar a aflorar à lembrança coisas há muito esquecidas. O corpo treme ao entrechoque destes valores, ora quando a mente tenta se fundir com elas e fazê-las vivas, ora renegá-las, fazendo com que permaneçam perdidas dentro do mais absoluto nada. Mas a curiosidade vai vencendo a nulidade e tomando forma. São sons que falam de valores morais, de hombridades, de compromissos assumidos não somente com outros, mas principalmente conosco próprio. São hinos que enaltecem valores civis, valores morais, da verdade e retidão humana, que se situam acima do próprio valor do existir, que envolvem a nós e todos os outros.


A voz rouca continua a exprimir noções onde a vida pouco ou nada significa, mas os valores absolutos que falam de uma existência nova, de liberdade, de uma comunhão total entre as metas existenciais, onde qualquer outro valor que se interponha contra ela torna-se insignificante ou nulo. Ela é como um respirar onde não tema-se fazer qualquer tipo de ruído. Respira-se fundo, e sente-se a massa gasosa passar pelo nariz e lábios, invadir os brônquios, e finalmente chegar até o fundo da alma. Ela escorre livre, sem dificuldades, lisa e uniforme. Nada detém seu fluxo. Esta sensação incute que, qualquer que seja o preço pago para chegar a este ponto sempre é muito caro, chegando mesmo até valores que seja dado o próprio sangue como remuneração.

Mas súbito, mesmo com as canções continuando em sua cascata exibicionista e demagógica, eis que brota do nada um momento de absoluta calmaria, quando o som do violão rompe todas as canções, e fazendo eco com o silêncio, suas cordas murmuram promessas de recompensas impagáveis, onde a paz e satisfação totais imperam. E, em um momento espástico, parece que a ilusão e realidade se fundem, tornando-se um novo elemento, desconhecido, que nos leva a um amplexo totalmente desconhecido, gozo sublime, total e infinito. Ele não passa nunca, e derrama sobre nosso corpo novas sensações antes escondidas e totalmente desconhecidas. Deixemos nosso corpo relaxar, e nos mesclemos com esta nova percepção, deixando com que ela nos impregne, entremeie-se por nossas carnes e ossos. Fechemos os olhos e deixemo-nos ser envolvido por ela, e de repente estaremos como que voando, apenas uma consciência flutuando, liberta da massa carnal. Estaremos observando primeiramente locais habituais, como o quarto que estamos, e deitado sobre a cadeira, nós mesmo. Depois, dependendo da habilidade e capacidade, iremos nos afastando deste ambiente, e o limite onde se ir é o imponderável. Nós somos o limite.

Nunca diga que o desconhecido existe, ele só é uma verdade se nossa mente não for capaz de interagir com as novas realidades ou elaborar fantasias, que divirjam da linha de raciocínio habitual, lógico. No momento que a mente consegue vagar isolada do corpo e do coerente por novos caminhos desconhecidos, rompida de uma forma quase que total com o que denominados de lógica habitual, estará andando em novas terras, novos mundos. Aí realmente poderemos ter a percepção e falar em como o mundo é gigantesco, senão infinito. Tudo dependerá do nosso pensamento cognitivo. E teremos certeza e convicção da colocação: o homem é imortal e infinito. E, por incrível que possa parecer, teremos a sensação intuitiva que algumas coisas não existem mais, como o espaço, o tempo. Todos estes são recursos fugazes para se enfrentar nossas realidades mundanas. Como parte de algo superior, temos o “dèjà vu” destas outras verdades. Infelizmente as necessidades do dia a dia fazem embotar a capacidade em as ver e as sentir. Mas se reservarmos um tempo diário a avaliar estes valores, conseguiremos vislumbrar estas verdades por um novo prisma.

Deus nunca faria uma criação para que simplesmente surgisse e desaparecesse depois de algum tempo, num estalar de dedos. Toda criação existe por uma finalidade, a de mostrar a capacidade que temos em a executar. Acreditamos que corpo e alma são manifestações diferentes de um mesmo objeto, o homem. Se o corpo é finito, o mesmo não acontece com a alma. Ela, desprendida de seus grilhões, quiçá irá para lugar especial até que seja o momento dela ligar-se novamente com um outro, e repetir o ciclo, Realidade ou fantasia, expectativa de um sonho de imortalidade e resquício da esperança de quinhão da eternidade, a certeza deste conhecimento não nos pertence nem nunca pertencerá.

Se os momentos de “déjà vu” muitas vezes beiram as raias da irracionalidade, tendem a mostrar sempre que o contato entre o passado e o presente se faz de uma forma incoordenada, esporádica e espástica. O mesmo acontece com o “déjà senti“ e o “déjá visité”. E por similaridade podemos até cogitar em contatos entre o presente e futuro e até mesmo entre o passado e futuro.

Cremos fielmente que somos frutos de algo que transcende o próprio homem, que temos um passado, presente e futuro, e que desta linha existencial amanhã teremos de dar conta ao nosso Criador.

sábado, 7 de agosto de 2010

VISLUMBRES DA INFÂNCIA 4








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O MAIS PROFUNDO DOS AMORES
(Todas estas obras são de ficção e fruto de sua imaginação. Toda e qualquer eventual semelhança com fatos da vida real, passados ou presentes não passa de mera coincidência)


Há momentos que fico assustado em como as idéias voam, deslizam sobre o tempo, indo buscar fatos perdidos dentro da obscuridade existencial do ontem.
Hoje escrevia para uma pessoa que gosto demais, e relembrei-me do caso V... /Maf... Não menos que 40 anos passados já se vão desde que este fato assediou minha existência. Realmente as primeiras raízes tiveram início quando teria eu meus sete, oito anos. V... era uma garota que eu havia aprendido a ver com carinho todo especial já em minha tenra idade. Além de subir em árvores, brincar com meus amigos, falar sobre garotas, as imagens de sua casa, pequena, mas sempre bem arrumada por sua mãe, nunca me deixaram minha mente.


Não ficava ela mais do que quatro ou cinco quarteirões da minha. Uma porta dando diretamente para a rua, uma janela antiga, com vidraças em guilhotina, vidros impecavelmente limpos, onde quase sempre cortinas e sombras insistiam em ocultar seu interior. Esporadicamente podíamos vislumbrar nesta sala duas cadeiras e um canapé impecavelmente revestidos de palhinha. Alguns quadros ornavam as paredes e um espesso tapete que forrava o piso. Uma pequena casa, com paredes raramente caiadas, prensada entre uma padaria e uma casa de ferragens. Ora chegavam os odores de saborosos doces, Ora chegava o cáustico de produtos químicos.


Mas apesar disto tudo, eu não consigo me recordar delas sem ver estampado no rosto das duas os eternos sorrisos que ali habitavam. E, dentro de minha infância e juventude, chamava-me a atenção a ausência da imagem masculina dentro daquelas singelas paredes.
Aos meus catorze, quinze anos, com o aumentar dos hormônios, sentia-me muito mais atraído por ela. Tornara-se um de meus amores juvenis, senão dos muitos, o primeiro. Ao abandonar Piracicaba para dar continuidade aos estudos, nos distanciamos, perdemos aquele contato mais profundo, mas não o relacionamento esporádico.
Ele foi reatado após umas dez primaveras. Com meu retorno à velha cidade, comecei demonstrar vislumbres de meu íntimo à ela. Correspondências foram trocadas, idéias foram discutidas, e tinha eu meus sonhos que talvez o futuro viesse a reservar alguma coisa em comum para nós. Agora elas já moravam em um sobrado espaçoso, longe daqueles odores enjoativos. V... já não era mais aquela meninota, mas sim uma mulher, com valores e idéias perfeitamente definidas..





Mas nesta fase o surgiu o “moço da moto”, com sua roupa negra de couro, suas canções de Hair, falando respeito do doce amor a primeira vista e chegou conquistando seu coração, interpondo-se entre nós. Explosivamente foi tomando conta do espaço, e quando tomei consciência, vi que todo meu esforço havia sido perdido. Foi no dia que V., toda alegre, dengosa, veio correndo beijar-me, dizendo que agora sua vida estava de novo completa, pois amava perdidamente o rapaz da moto. E lá se foram meus sonhos água abaixo. Cabisbaixo no meu interior, mas negando-se a demonstrar a derrota, com sorrisos nos lábios, nada mais restou que dar os parabéns por sua escolha.



Nesta fase ainda ela falava em Maf... O significado deste nome é variado. Alguns falavam que dizia respeito a um tratamento carinhoso, outros a respeito ao seu verdadeiro nome. Seja como for, seu real significado está perdido no tempo e espaço. Todos os envolvidos há muito já deixaram definitivamente estas plagas e não sei dizer se andam pelas brumas do purgatório ou entre os fogos do inferno. Pode ser que se encontrem também entre as nuvens do céu.


Quando se ama por amor, os sentimentos são essencialmente profundos. Não há cobranças, mas aceitação e impulsão de um querer complementar mais ainda o cônjuge. Mas quando se ama comparando uma pessoa com outra, isto não é bem amor, e os fatos tomam inexoravelmente outro rumo.





E foi este quase que seguramente o último amor de V... por Maf... , fogo de palha, explosivo, mas que não se acabava nunca porque tinha toda a palha do mundão para queimar. Cada passo dado entre os dois era muito mais uma promessa de consolidação do relacionamento que um mero e especulativo motivo para eventual separação.
Esta foi a verdadeira perdição de V... Assim como se amaram com violência e possessivamente, sem limite algum para dar vazão aos seus sentimentos, também este fato constituiu a âncora para uma série de acontecimentos seqüenciais. Maf... mergulhando em seus pingões cada vez maiores, com sua ambivalência sexual oscilando entre o amor por V... e por seu amante, cada vez mais foi deixando a angústia tomar conta de sua pessoa. O amor por ela podia quebrar todos seus valores, criar novas metas existenciais, criar mundos e mais mundos, mas não conseguia fazer dela a única pessoa que amasse em sua vida.


“Queria ter o sol nas mãos para tecer com seus raios dourados uma eterna renda de luz, onde descansaria meus pensamentos tristes. E nesta infinita rede ilusória, deixaria meus olhos abertos até que cansassem de ver miríades de estrelas cintilantes repletas de longínquas e inatingíveis felicidades”.
Tinha ele a capacidade de mergulhar no improvável, e sair descrevendo as belezas existentes em todos os lados antípodas, de extrair amor do ódio, e ver e construir uma amizade na incompreensão e desprezo de outro.




Houve um momento que as coisas ficaram tão difíceis que, dentro da conturbação que enfrentava, pressão social, pressão familiar, dos amigos, a própria ambivalência, que a depressão tomou conta dele integralmente, e o escape mais fácil e simples para todo o caos foi um só. E até hoje os seus antigos amigos, aqueles mais chegados, quando esporadicamente relembram do áspero e indigesto assunto, discutem se chegou ele realmente a ouvir ou não o disparo da arma antes do projétil lhe fragmentasse o crânio.







Esta foi a separação e perda brutal para todos. Para um o cemitério, para outra o chorar pelo amor definitivamente perdido, isto sem falar nos sentimentos familiares. E foi também o começo de sua loucura. Para todos os que tentassem se aproximar dela vislumbrando um relacionamento afetivo, a eterna comparação de seus novos sentimentos com os que tinha para Maf é o que se fazia presente. Tal qual pêndulo que oscila entre um e outro lado, lento mas sempre no implacável movimento, assim também sua idéia abrochava. Tão certo como o vai e vem, a comparação acabava por preencher todo o seu ser, fazendo arvorecer todas suas dúvidas, suas insatisfações, que culminavam com o afastar de todos os que se aproximassem dela.
Lenta, mas inexoravelmente, o amor em palha pelo rapaz da moto ardeu e também faleceu na comparação.
V... depois de algum tempo, ignorando seus mais profundos sentimentos, deixando-os firmemente relegados e encarcerados em segundo plano, simplesmente preferiu se tornar a “Grande Senhora”, unindo-se pelo matrimônio a um dos filhos de um dos homens “poderosos” da cidade.
Mas, lentamente foi consumindo-se, tanto na pessoa como na união em que não era feliz. Não era de sua feitura ser a grande matriarca, ainda mais que não tinha ao seu lado a quem verdadeiramente amar. Por fim seu casamento também acabou. O marido junto com o filho, mudaram-se para terras não antes navegadas. A ela, restou ficar jogada à solidão dentro da gaiola de ouro que vivia e havia restado, sem mais ninguém ao lado que pudesse receber ou externar seu amor e carinho.


Infeliz do pobre Maf... e seu círculo vicioso. O contínuo ascendente de sua sensibilidade fez aumentar a bolha de sensações que lhe envolviam o corpo, mente e os sentimentos, e a impossibilidade de dar vazão aos pressentimentos e sensações que se acumulavam e o envolviam, foi fazendo ampliar em seu interior a bomba da incompreensão e da insatisfação, que se avolumavam com o não exato entendimento de sua compreensão e sensibilidade.
Houve um momento impossível de se conter. Queria se doar e todos davam risadas de sua pessoa, uns disfarçadamente, outros de forma totalmente petulante. Queria amar, e quanto mais tentava mostrar o quanto era profundo seu sentimento por todos e tudo, mas isto se constituía em regalo para suas cínicas amizades. Perdeu todos seus amores e suas estimas, tanto internas como externas.. O que nunca deixou de cultivar, brotar e florescer em seus relacionamentos, a que devotava o maior carinho e respeito foi o eterno e silencioso desprezo devotado por aqueles que se negavam a entendê-lo, que nada faziam para ampará-lo.
De forma cada vez mais avassaladora as indecisões, angústias e ambivalências foram tomando volume até que a espoleta detonou aquele pobre corpo e alma.
Apesar de todos os esforços para permanecer existindo, as forças foram exaurindo continuamente, as motivações se evanescendo e acabou ela pela triste decisão de encontrar-se novamente com Maf... , seu eterno e realmente único amor, para além deste mundo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

VISLUMBRES DA INFÂNCIA: 3

A Espingarda e a Vocação Médica



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Antigamente, quando morávamos em área rural, nossa formação - em contato contínuo com a natureza - tinha características peculiares. Acordava-se cedo, até mesmo antes do raiar do sol. A primeira coisa a ser feita era ligar o rádio, pois assim ouvíamos algumas músicas, e também recados que eram enviados da cidade para nós. É bom rememorar que tneste tempo não tínhamos energia elétrica. Quem fornecia energia para o rádio era a velha bateria (acumulador) de carros.


Aí o fogão a lenha era aceso, para preparo da primeira refeição. Após o café, ajudava-se a revolver a palha dos colchões enquanto outra pessoa ia estendendo as camas. Cuidava-se dos animais, ao cair da tarde saía-se em busca dos ovos de galinha e de gravetos secos para acender o fogão a lenha na madrugada seguinte. Sacrificava-se esporadicamente algum animal para poder dele fazer a refeição. Moía-se a carne de porco para fazer lingüiças, que ficavam semanas secando.



Trocavam-se os ferros de brasas esfriando com outro de rubras para passar roupas. Desde criança, incutia-se o conceito de responsabilidade e de divisão de trabalho. Para podermos exigir no futuro um serviço bem feito, tínhamos desde a infância a saber como fazê-lo bem feito. E ainda sobrava tempo para subir nas árvores e deliciar-se com as frutas, bem como correr no final da tarde para o rio tomar banho com os outras pessoas e nadar. E não se podia esquecer de lavar os pés antes de deitar.


Ir à roça de feijão ou de algodão eram coisas também proibidas, quando meninos. O risco de ser picado por cobras era muito grande. Também tínhamos de olhar com cuidado as árvores, pois muitas vezes aí também estavam as víboras. Por diversas vezes na infância colhi flores para enfeitar a urna de alguém que havia partido em virtude disto. Tínhamos de ficar sempre atentos a qualquer coisa diferente. Se estivéssemos de cavalo, o perigo era pisar em algum enxu de vespas. E neste caso a ordem era pular do animal e ficar deitado quieto no chão até que o enxame fosse embora. Levava-se menos picadas. A realidade é que a mínima distração poderia causar a morte. Poderia não haver uma segunda oportunidade. Desde a infância era imprimido de modo indelével o conceito do perigo e da morte. Somente assim é que teríamos mais possibilidades de sobreviver.


À noite, o lampião de querosene, espraiando sua luz amarelada, criando sombras fantasmagóricas, iluminava o jogo de baralho, enquanto a sanfona (ou harmônica) arrancava seus sons à distância. Outras vezes sua luz tremulante, se fazia presente para podermos ler algum livro, ou era quando meu pai sentava-se em sua mesa e fazia a escrituração diária. Mas habitualmente dormia-se cedo. A eletricidade, gerada a custa de baterias, era somente utilizada para o rádio. No restante da noite, quebrando a escuridão negra tal breu, uma pequena lamparina a óleo se fazia presente, rasgando o negrume noturno.





Meu pai se faz ainda presente em minhas recordações quando andávamos pelo sítio, ou à noite, contava histórias ou fazia com as mãos as mais diversas sombras serem projetadas na parede do quarto. Eram quando víamos cabeça de cachorros, pássaros, rostos humanos e as mais diferentes formas imagináveis tomarem vida na parede caiada. Outras vezes sentava-se nos troncos de madeira no terreiro e ficava-se jogando conversa fora com os outros moradores do sítio. Dou graças de ter tido esta experiência fantástica que meus pais possibilitaram.

Eram valores bem diferentes que existiam na área urbana. Agora aqui se andava de carrinho de rolimã, jogava-se futebol na rua, divertíamos com brinquedos mais sofisticados, tínhamos que colocar calça azul e camisa branca para ir à escola. Tínhamos de preparar as lições, estudar... estudar... estudar...
Mas tínhamos nossas molecagens. E a mais gostosa, que vem à mente, era colocar um prego de pé entre os paralelepípedos da rua, e ficar apostando que carro iria passar em cima dele e ficar com o pneu furado... tudo ia bem até que nossos pais descobriam a reinação, e acabávamos com algumas chineladas em nosso traseiro.
Mas chegavam as férias. E corríamos de novo para a área rural. No sítio havia lugares que éramos proibidos de irmos a sós. A água era um grande atrativo, mas tínhamos de ter sempre alguém conosco. E para não esquecermos, sabíamos que esta era a lei. Primeiro era o aviso, depois... a cinta bem aplicada na bunda era a certeza absoluta de nossos pais que a lição não seria mais esquecida.
Foi assim que descobri que era proibido brincar no paiol de milho. Também era proibido ir onde se guardava algodão... mas era tão gostoso ficar pulando nele... (onde se podia até vir a morrer sufocado se afundássemos demais).

Havia o quarto de ferramentas. Também era proibido entrar nele. Era ali que ficavam as ferramentas de corte, bem como os venenos utilizados. Geralmente ficavam muito bem fechados.
Era proibido brincar com a lanterna. Ela era reservada para iluminar à noite algum animal selvagem que atacasse as galinhas ou outras criações. E também havia a terrível espingarda, pendurada atrás da porta, coisa sempre cobiçada de se ter às mãos. Ela era quem liquidava estes intrusos noturnos. E era o maior atrativo dentro da casa grande e a peça que mais nos enamorávamos para ter em nossas mãos.
Tinha eu meus seis ou sete anos, quando meu pai resolveu me ensinar a atirar e algumas coisas a mais. Um belo dia pegou a cartucheira, explicou como funcionava. Depois orientou a firmá-la com toda a força contra meu ombro, mirar no animal e puxar o gatilho.
Assim o fiz. O tiro foi de um lado, e eu caí de costas com a violência da explosão. Com o ombro dolorido, levantei-me e fui ver minha primeira caça. Um pobre passarinho estava caído no chão, debatendo-se entre a vida e a morte, piando sem parar. E eu não podia entender comigo mesmo o porque que havia feito aquilo... fiquei vendo a agonia do pobre pássaro, até que cessaram seus movimentos e calou-se seu trino. Olhava para meu pai ao meu lado pedindo ajuda, e ele quieto, sem falar uma única palavra ou fazer um único gesto. Foi uma ótima lição de ele me deu.
Este foi meu primeiro e último tiro contra alguma coisa viva que dei em minha vida. E foi também, seguramente o que criou uma verdadeira obsessão, apesar de ter alta inclinação por matemática e física, a dedicar minha existência a cuidar de doentes. Foi assim que optei por ser médico.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

BRASÍLIA: Vislumbres de Infância 02


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Há coisas interessantes que ocorrem durante nossa existência. Há fatos corriqueiramente repetitivos e os habituais, que são a grande maioria das ocorrências. Mas também há os raros, como ver ser fundada uma cidade, e ainda raríssimo, como ver uma capital de um país ser mudada, como o foi a do nosso país para o vasto sertão central do Brasil.
Independente de seu contexto político bem como de todas as iniciativas que ocorreram para sua existência, bem como conseqüências de sua nova localização e atuação, a realidade é que pouquíssimas gerações (e pessoas) tiveram a oportunidade de ver um fato desta magnitude acontecer.




E neste aspecto, seguramente a fundação de Brasília é única. A grandeza inerente de ver uma nova cidade desabrochando em pleno sertão, a segunda mudança de capital ocorrida no Brasil, é sensação única e inexplicável a não ser para quem teve esta oportunidade.



Nos tempos que a Capital Federal se situava em Salvador, ocorreram invasões por estrangeiros (ingleses e holandeses).

A idéia de sua mudança para a área central (1761) já era defendida pelo Marquês de Pombal (1699-1782) e pela Inconfidência Mineira (1789). Em 1823 José Bonifácio (1763-1838) defendia a transferência da Capital para uma área central. Em 1891 a Assembléia Constituinte aprovou a mudança de Capital, que foi demarcada por Luis Crulz (1848-1908), Diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro. Mas, as tormentas governamentais que ocorreram nos anos vindouros fizeram com que a idéia permanecesse adormecida.




Ela foi despertada novamente com a entrada de Juscelino Kubtscheck de Oliveira na Presidência da República. E a coroação da idéia ocorreu precisamente em 21 de abril de 1960, com a inauguração de Brasília.



Retornando a idéia inicial, há oportunidades únicas da vida de algumas pessoas. E minha família não poderia deixar de testemunhar tal fato. Independentemente das dificuldades a se enfrentar, seríamos testemunhas da fundação de Brasília.
Minha mãe Antonieta, minha irmã Maria Ruth, meu irmão Rossini com sua esposa Neyde e eu nos mobilizamos para esta viagem.


Saímos de Piracicaba três dias antes da inauguração, indo para Brasília em um Jeep. Nas cidades dormíamos em hotéis, e quando estes não existiam, repousávamos como os outros, na beira das estradas. Enfrentamos o asfalto, as estradas de terra e chegamos um dia antes da inauguração. Em Brasília não havia restaurantes onde se fazer as refeições. A alimentação era distribuída pelo Exército, em caixas de papelão, com dois lanches, dois ovos cozidos, uma fruta e um pequeno pacote de sal em seu interior. Não faltava ampla distribuição de leite e água. Também estava lá o sino que badalou anunciando a morte de Tiradentes (1746-1792), agora anunciando com suas badaladas a nova Capital Federal. E assim fomos testemunhas junto com candangos e outras pessoas de ver surgir uma nova cidade e Capital do Brasil.



E de toda esta experiência, algumas palavras ficaram indelevelmente marcadas em nossas mentes:




"Deste Planalto Central, desta solidão em que breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino".
Juscelino Kubistchek


Os maiores agradecimentos à família, que nunca deixou de ter o espírito de conhecimento no sangue, permitindo que em minha infância conhecesse o Brasil.
E, de todas as recordações, a mais palpável é um pedaço de mármore arrendodado, branco, onde, com a letra de minha mãe, esta escrito: Brasília, 21 4 1961.