sábado, 13 de dezembro de 2008

JORNADA DO PENITENTE




Jornada dos Penitentes a Pirapora

BOM JESUS DE PIRAPORA

Há um período na liturgia católica, em que se celebra a Semana Santa. Nesta fase relembra-se a paixão de Jesus Cristo no Monte Calvário, sua morte e ressurreição para a salvação da humanidade.
Neste período também é que ocorrem romarias para uma pequena cidade nas cercanias de Jundiaí e São Paulo, denominada de Bom Jesus de Pirapora. Inúmeros são os relatos de milagres ocorridos pela intervenção de Bom Jesus, santo protetor da cidade que se encontra na Igreja .
A história da localidade, seu desenvolvimento está suficientemente comentada na internet. O assunto que desejamos abordar não são nem os aspectos religiosos envolvidos nesta liturgia, nem fatos incompreensíveis por vezes observados assim como os testemunhos existentes na “Sala dos Milagres” do referido santuário.
O ponto que iremos nos concentrar são as forças, motivações internas envolvidas nestes romeiros, bem como as dificuldades que se submetem para cumprir com suas promessas.
Pessoas das mais diversas regiões do Estado de São Paulo, mais freqüentemente da região do Médio Tietê, movidas por um espírito de busca de alguma graça, de gratidão por alguma alcançada, para cumprir promessas, seja própria, de familiares ou de conhecidos, lançam-se na estrada, saindo das mais diversas localidades, e dirigem-se a esta cidade.
Este é o pivô desta prova de fé, coragem e resistência que se submetem os penitentes. Alguns poucos falam de seu compromisso ou graça atingida, mas a energia e garra com que cada um deles defende a peregrinação é incontestável. Na grande maioria das vezes o motivo está ligado à saúde pessoal, de familiar ou de pessoa próxima. Outras vezes está ligado às mais variadas metas que se propôs atingir, e que foi conseguido.
A convicção inquebrantável de terem sido agraciados por um bem maior, que seguramente nunca poderia ter sido alcançado apenas pelas próprias forças ou vontades próprias, ou com auxílio de outras pessoas ou meios cria provavelmente a visão milagrosa do que se almejava. É uma área brumosa onde o inatingível mistura-se com um toque mágico, materializando por fim uma realidade.
Por mais incrível que possa parecer, os romeiros distribuem-se nas mais diversas classes sociais. Encontramos desde pessoas simples, com baixa escolaridade até elementos de nível superior. Mas a realidade é que a fé não escolhe nem cor, crença ou idade. Mesmo o ateu, descrente de um Ser Superior, não deixa de ter fé e confiança em algo, como em sua capacidade, sua soberania íntima, o seu ser e existir.
Observamos dentro do catolicismo apostólico romano um certa tendência ao afastamento do homem do exercício religioso cristão, envolvido pelo crescente materialismo e técnica que o envolve diariamente. Se ontem tínhamos procissões habituais de uma série de festas religiosas e que hoje não a observamos mais, parece que ainda os romeiros, ainda em menor número, a professão destes penitentes ainda permanece ainda arraigada dentro da cultura do Médio Tietê.
As pessoas que mais habitualmente dirigem-se à Pirapora são das cercanias da própria cidade, como Tietê, Itu, Salto, Capivarí, Piracicaba, São Pedro. Consideramos interessante lembrar que a distância entre Piracicaba e Pirapora são aproximadamente 127 quilômetros. Mas já encontramos pessoas de Santa Maria da Serra e Brotas carregando suas cruzes pelas estradas. O tempo médio de locomoção entre Piracicaba e Pirapora com uma cruz é de uma semana. Entre Brotas e Piracicaba é também de uma semana (distância aproximada de 100 quilômetros). Romeiros de outras origens também são observados, como oriundos das cidades de Jundiaí, Santa bárbara d’Oeste, Americana, Campinas, Indaiatuba e outras das cercanias.
É um período mínimo de uma semana ou mais andando por estradas ora asfaltadas, ora de terra, ora por trilhas pelo interior de fazendas. Há necessidade de um preparo físico e psicológico exemplar.
Os romeiros locomovem-se das mais diversas formas, de carros, motocicletas, bicicletas, cavalos ou mesmo a pé. Carregam consigo algum dinheiro, roupa de corpo, cobertor. O intuito é de chegar a Pirapora. Alguns poucos desistem no percurso pelos mais diversos motivos, mas os mais freqüentes são aqueles ligados à saúde.
O tempo estimado de locomoção a pé entre Piracicaba a Pirapora é uma semana carregando cruz, de quatro dias quando se caminha sem cruz. Percorre-se a mesma distância de carro em aproximadamente de três horas. Todo o cuidado é necessário, visto a estrada ser extremamente perigosa, com muitas curvas, diversos trechos com acostamento em péssimas condições ou ausente. A isto se acrescente pessoas andando a pé, outras carregando suas cruzes, bicicletas e inclusive animais em ambos os sentidos. A mínima distração pode ser fatal para alguém.
Os que vão a pé nada mais levam do que roupas de corpo, cobertor e uma lanterna. O cobertor tem a função de dar proteção noturna bem como ser colocado no ombro para amortecer os danos da cruz com os ombros. Apesar disto, a grande maioria acaba com o ombro ferido, queimado pelo suor, calor, atrito e o peso. Outros perdem totalmente a pele e são obrigados a desistirem do intento. Outros problemas não raros são assaduras, queimaduras solares, desidratação, insolação.
Comumente, tenta-se utilizar de chinelos, que segundo alguns, favorecem menos o aparecimento de bolhas. Calçados fechados causam problemas, pois acaba ocorrendo inchaço das pernas, e com isto, ferimento nos pés.
São freqüentes as promessas desta jornada não apenas por um, mas por vários anos seguidos. Há pessoas que o fazem por décadas.
As rotas são as mais variadas possíveis. Muitos associam o caminho pelo interior de fazendas, diminuindo o percurso. E o melhor é fazer isto de dia, pois ano a ano as paisagens modificam-se, sendo impossível a visão de pontos de referência, sendo quase seguro a perda do caminho a seguir. Também nestas rotas, um acidente noturno pode ter conseqüências imprevisíveis quanto a se ter auxílio para obter assistência médica.
As cruzes tem os mais diversos tamanhos. As menores habitualmente têm 6 a 7 metros de comprimento. Mas há outras em que o comprimento chega a 30 metros. A construção da cruz pode ser feita de diversas maneiras. Algumas são ocas para diminuir o peso. Mas não é raro atingirem 100 quilos ou mais. Algumas possuem rodas na sua extremidade, o que facilita seu transporte pelo asfalto, mas dificulta em terrenos acidentados. As sem rodas são mais difíceis de serem transportadas no asfalto, mas vencem os terrenos acidentados com maior falicilidade.
Os romeiros fazem o possível para chegarem em Bom Jesus do Pirapora na sexta-feira santa. Neste dia, tanto o pátio anterior bem como o posterior da igreja ficam lotados com as cruzes levadas. Não é incomum se contar um número acima de 100.
Come-se como puder. Dentro da mochila sempre vai um sanduíche, para amenizar a fome. Há poucos locais onde se possa comprar comida. Nas estradas encontram-se pessoas que, dentro de suas promessas, está incluso o auxílio ao penitente. Geralmente existe em alguns locais, um caminhão parado com uma cozinha volante, onde come-e um prato de arroz com feijão e alguma mistura. Nada é pago, mas sim oferecido como um óbolo ao viajante. Também se fornece água potável. Água é um problema sério. Em alguns segmentos da viagem consegue-se comprar água. Mas em muitos, é necessário conseguir o precioso líquido em rios e lagos. Por este motivo, o cantil também é uma peça imprescindível para quem faz esta viajem.
Dormir é outro problema. Alguns têm recursos para poder alugar um quarto, tomar banho e repousar. Mas hotéis são raros e a grande maioria não possui acesso a este privilégio. Os banhos em sua grande maioria se restringem aos tomados em rios e lagoas. Para descasar o corpo alquebrado, o habitual é encontrar um local mais protegido do vento e frio, onde eles se embrulham em seus cobertores e passam a noite.
Os perigos a serem enfrentados são os mais diversos. Um deles é o de assalto. Pouco há para se roubar, mas furta-se. Em virtude disto, os romeiros costumam andar em grupo de pelo menos 4 ou 5 pessoas. Isto fornece uma proteção maior entre os elementos.
Muitos preferem locomover-se a noite. Isto cansa menos, mas oferece maior risco de atropelamentos. Não é por acaso que encontramos cruzes na estrada. Quase que seguramente neste local alguém perdeu a vida. Ao se tentar andar por atalhos, nas fazendas, pode-se tomar o caminho errado, e conseqüentemente, confundir-se com exato percurso, fazendo-se com que além de se ter de refazer o caminho, haja a necessidade de dormir no local, e esperar o dia raiar para poder se localizar.
Outro perigo que não pode ser esquecido é o risco de contato com animais peçonhentos, como cobras e escorpiões, principalmente durante o período do entardecer e o noturno. É um encontro quase que fatal, se não se conseguir auxílio médico a tempo. Há necessidade de se empregar condutas discutíveis imediatas, e depois se procurar auxílio.
Conquanto a locomoção durante o período diurno seja mais dificultoso, devido ao calor, ela é muito mais segura.
Este é um pequeno vislumbre dos penitentes a Bom Jesus do Pirapora.

sábado, 22 de novembro de 2008

FLAMENCO EM PIRACICABA

Montagem: Patrícia Veiga

Coreografia: Patrícia Veiga e Lúcia Caruso

“A chama que dança...
A dança que clama...
Por uma alma que toca...
Por uma alma que canta...
Por uma alma que sente...
Uma chama presente...
Uma chama flamenca...”

Com estas palavras, pretende-se transmitir a alma do Flamenco, mescla de ritmos espanhol, cigano e mouro, que teve origem na região de Andaluzia, sul da Espanha.
O flamenco envolve ritmo quente e envolvente, a dança com seus trejeitos sedutores e sensuais. A voz aveludada, acompanhada com a guitarra (violão flamenco) e percussão, juntamente associados com o sapateado, o ressoar das castanholas e o bater repetitivo das palmas complementam o clima mágico que se instala no palco. A isto tudo associe-se ainda as cores “quentes” que emergem dos holofotes e o guarda-roupa impecável que se faz necessário para uma apresentação deste nível.
Jussara Sansigolo traz ao palco um espetáculo magnífico, com o nome de “Recuerdos”.
O Ballet Jussara Sansigolo assumiu a responsabilidade de reunir uma antiga equipe que era coordenada anteriormente por Lúcia Caruso, e fazer renascer o antigo ritmo e deu à Piracicaba um espetáculo impar.

Um show digno de ser visto em todos os sentidos.
Os mais sinceros parabéns à iniciativa louvável de Jussara Sansigolo e o agradecimento que não se deve nem pode se calar sob hipótese alguma à Patrícia Veiga, que tanto tem se dedicado ao Famenco, que não tem popupado esforços que assina a montagem desta apresentação. Também não podemos deixar de citar que a coreografia do espetáculo, que se apresenta ímpar, é assinada por Patrícia Veiga e Lúcia Caruso.
O mais sincero muito obrigado todos os citados e ao corpo de baile:
Alessandra Ferrisse
Aleteia Cassano
Aline Gonçalves Esteves
Amanda Piacentini
Ananda Sabbag Domingos
Andreia Schiavon
Anderson Alves
Claudia Carias
Cristiane Ap. Bonato
Débora Ferreira dos Santos
Gabriella F. Campestrini
Jonatas Camolesi
Lélia S. Ferrari Vessani
Luciana Martim Miotto
Marcia Veiga
Maria Candida Rolim
Mariana Dedini
Mônica Salim
Maria Renata Leite Ribeiro
Nicoli Ayres
Yolanda Ruys Leite
Patricia Fernandes
Patricia Veiga
Renata Shiavon Michelin
Rosely Ap. Gonçalves
Simone Lucanno
Tatiana Oliveira P. Pontes
Thais Priscila Sousa e Silva
Thais M. Vieira
Vanessa Torres
Vivian Ferrari de Goes
Viviani Medinilla
e a todos os outras pessoas que direta ou indiretamente colaboraram para a montagem e apresentação deste espetáculo.


Flamenco pelo Ballet Jussara Sansigolo

terça-feira, 18 de novembro de 2008

CURURU EM PIRACICABA








Craveiro e Cravinho saudando os cururueiros e cantando o Hino de Piracicaba
(Veja mais filmes no final do texto.)




Excertos do livro com o mesmo título publicado em 2006 por Olivio N. Alleoni

Sumário
Prefácio.
Dedicatória.
Meu muito obrigado.
Nota do autor.

Capítulo I O Cururu e Similares:
Conceito.
Origens remotas.
Quem o executa.
Onde e porque ocorre.
Quando e como o cururu é executado.
Fases de cururu.
Carreira no cururu.
O cururu antigo.
Como acontece o cururu.
A música no cururu.
Construção do verso.
A evolução da disseminação das músicas populares.
Colheita e trabalho com as informações.

Capítulo II Nhô Serra visto:
Pelo filho.
Pela esposa.
Pela irmã.
Por Geraldo Barros.
Por Craveiro e Cravinho.
O homem e sua comunicação.

Capítulo III Outros repentistas contemporâneos:
Pedro Chiquito.
Parafuso.

Capítulo IV Histórias fantasiosas de cururueiros:
Antonio Pedro Macedo.
Francisco Fornaziero.
Abel Bueno.
Laurindo Morato.
Oscar Francisco da Silva Bueno.
Horácio Neto.
Luizinho Rosa.
Craveiro e Cravinho.
Mandi e Sorocabinha.

Capítulo V
As normas rudimentares do linguajar caipira.
Bibliografia.
Notas.

Capítulo I

Conceito
Cururu, também denominado de cantar repentista, é uma forma de cântico onde atualmente duas duplas de cantores seguidos de uma ou duas violas, expressam uma série de fatos cantando alternadamente em forma de versos rimados. Também foi denominado de embate poético. Acrescentaríamos a isto também a conceituação de comunicação musical.
Os fatos veiculados são extremamente variáveis. Podem elogiar ou criticar pessoas, locais, acontecimentos, fazendo colocação burlesca ou rude. Podem narrar fatos religiosos ou carrear dentro de si o sentimento de ufanar-se sobre algo, independentemente do fato ser verídico ou imaginário E não deixa de existir neles o aspecto de contenda. Tudo depende da capacidade de comunicação de cada cantor.
Os versos possuem conteúdo de indiscutível experiência, fruto da leitura, da observação, da imaginação, expressos com seriedade, ironia e até deboche.
No cururu ainda se contam histórias e estórias, algumas com embasamento verídico, enquanto outras revelam todos os requintes de desvairadas fantasias. Cada espetáculo é único. O assunto pode ser o mesmo, mas as palavras e a expressividade nunca são. O que é cantado é fruto da exuberante imaginação de quem expõe. Os fatos situam-se numa área nebulosa, onde a realidade mescla-se com a fantasia e eventualmente até com o próprio misticismo.

Origens remotas
Delimitar as origens do cururu é difícil. Provavelmente estaria relacionado nas suas raízes mais remotas com o próprio trovadorismo..
Em Portugal, a canção acompanhada com música já era conhecida no século XIII e denominada de cantiga . No século XVII, foi chamada de “poesia cantada”, formada de redondilhas ou de versos menores, divididas em estrofes iguais, com andamento melancólico. Estas formas musicais eram restritas mais à classe de nobres, sendo praticamente inexistente entre os serviçais.
Cabe lembrar em Portugal a existência de gênero musical com canto de desafio e improviso, que era executado até que se proclamasse o vencedor.
Cogita-se que este tipo de versejar tenha sido trazido pelos jesuítas para o Brasil, sofrido adaptações e sido usado como forma de catequização dos índios. (São Paulo, Terra e Povo, de Carlos Penteado Rezende).
Somos levados a crer que sua formação tenha ocorrido na região do atual Estado de São Paulo, e a sua disseminação feita pelos bandeirantes, nos séculos XVII e XVIII.
Posteriormente, foram os tropeiros e monçoeiros que vieram a sedimentar sua difusão para Mato Grosso, Paraná e Minas Gerais.
A realidade é que a disseminação e a fixação destes ritmos populares confundem-se com a própria fase da conquista e consolidação da região centro-oeste e sudeste do Brasil.

Quem o executa
O cururu têm por origem pessoas simples, geralmente oriundas de área rural e com baixo nível de escolaridade, quando não totalmente ausente. Raras são as exceções. Isto foi o que ocorreu durante a primeira metade do século XX, quando a grande maioria dos cantar tinha origem rural. Hoje a grande maioria dos cantores mora nas cidades. Possuem o dom da palavra, da rima e da métrica.

Onde e porque ocorre
O cururu é um fenômeno que tem cunho e lastro rurais e caipiras. É uma manifestação ainda observada na região denominada por alguns por Vale do Médio Tietê. Esta região engloba uma série de municípios, na bacia do rio Tietê, entre a região de Pirapora a Barra Bonita. Engloba também a área de seus afluentes.
Os municípios envolvidos são os de Piracicaba, Anhembi, Conchas, Laranjal Paulista, Saltinho, Rio das Pedras, Santa Bárbara d’Oeste, Capivari, Elias Fausto, Mombuca, Rafard, Tietê, Cerquilho, Cesário Lange, Pereiras, Porangaba, Bofete, Botucatu, Tatuí, Boituva, Porto Feliz, Sorocaba, Votorantim, Itú e adjacências.
A provável causa da origem e permanência desta manifestação nesta área é complexa. Nas raízes mais remotas, está o fato de ser o rio Tietê a porta de entrada para a região centro oeste, e inclusive região sul, desde a fase expansionista da colonização. Na fase recente, deve-se ao fato de ser ela na primeira metade do século XX, predominantemente agrícola, e relativamente isolada da influência da metrópole.
A isto ainda devemos acrescentar que esta região se comportava como “ilhota cultural”, com seu baixo nível de escolaridade existente nesta época. Isto de certa forma acalentava a transmissão verbal dos conhecimentos.
Apesar de a Primeira República ter acabado na década de 1930, a política “café com leite” ainda permaneceu com resquícios nesta região até a década de 60. Havia certa estagnação no mercado de trabalho. Não havia desenvolvimento florescente.
A malha ferroviária não a atingia com a plenitude de seus objetivos. Esta região estava mais sob a influência da Sorocabana (antiga Ituana), enquanto que as cidades de Campinas, Limeira, Rio Claro, que constituíam o acesso à região noroeste, estavam sob a influência da Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Piracicaba possuía apenas um ramal da Paulista. O mesmo acontecia com a malha rodoviária. Isto, de uma forma ou outra, acarretava menor desenvolvimento.
O que existia e ainda existe neste território é uma fértil malha hídrica, onde nunca foi desenvolvida a contento a navegação fluvial.
A conseqüência foi que a região de Piracicaba transformou-se mais lentamente em seus costumes e tradições. Conservou-se singular no seu caipirismo, inclusive mantendo até linguajar próprio, que é praticamente uma característica exclusiva desta área. O mesmo ocorreu com a região de Tietê e Sorocaba, e porque não dizer, no Vale do Médio Tietê.

Quando e como o cururu é executado
O cururu no final do século XIX e primeira metade do século XX era uma das etapas de uma série de festas. Era executado nas religiosas (como festa de São Benedito, Santo Antônio, festas juninas), nas festas particulares (aniversários, casamentos). Era uma forma de diversão executada na área rural.
No início do século XX, Cornélio Pires conseguiu fazer com que ela tornasse-se mais conhecida, e então começou sua popularização na área urbana, Na década de 1950 e 1960 era executado nas rádios e dentro dos comícios.

Fases do cururu
Cururu é “um embate poético”, apenas o cantor e a viola. Qualquer coisa a mais o desfigura como cururu. Apenas o som da viola deve estar presente, e nada mais. E, claro, o cantor deve estar com voz ajustada, harmônica com a musicalidade. Não deve haver sons desafinados. Antigamente, costumava-se utilizar reco-reco e o tambú, que hoje estão praticamente abandonados.
O cururu apresenta algumas fases bem específicas. A primeira delas é o de se “pedir licença”. Isto é feito apenas uma vez, pelo primeiro cantor. Os outros não a repetem.
Depois vem a introdução, a louvação, a aparteação.
A introdução é a concatenação entre o cantador e a viola. Cada um tem a sua própria entrada. É uma música de começo, habitualmente sem letras, apenas com o som. É também denominada de baixão.
A louvação pode ser sobre o santo e também deve ser sobre o público. Cada cantor a executa uma única vez. Depois vem a aparteação, onde cada cantor esmera-se nas melhores colocações, nas piadas satíricas, nas críticas, e todos os demais assuntos que eventualmente venham a se desenvolver. Esta é a parte mais interessante do cururu, porque aí é que cada cantor demonstra sua capacidade de improvisação, e de como fazer as melhores colocações sobre o que seu antecessor cantou.
A última fase é a carreira do dia, onde eles se despedem da platéia.

Carreira no cururu
Todo o cururu deve ter sua rima, também denominado de carreira. É a carreira do A (a), do sagrado (ado), do ano (ano), do presumido (ido), do divino (ino), de São João (ão), carreira do Navio (o), temos também a carreira do Pai Eterno (erno), da cinza (iza), de Santa Rita (ita), do Divino Amante (ante), do S, de São Roque, São Bento, São Benedito, Santa Catarina, Santa Teresa e muitas outras....
Antigamente a carreira era colocada pelo “pedestre”. Todos os cantadores tinham de seguir a carreira imposta por ele. Agora comumente, quem faz a colocação da carreira é o primeiro cantor.
A última carreira a ser cantada é a Carreira do Dia, quando se faz novamente a consagração ao altar, ao santo, ao povo.

O cururu antigo
O cururu antigo, também denominado de cururu de roda era o inicialmente executado. Reunia um número não específico de pessoas, onde andavam em círculo, seguindo o violeiro, que ia à frente. Quem quisesse, poderia cantar. Os outros indivíduos ficavam observando.
Atualmente no cururu cantam 4 pessoas, formando dois pares. Estão presentes uma ou duas violas.

Como acontece o cururu
Há o hábito de sempre colocar juntos cantadores antagônicos. São as duplas de “cidade contra cidade”, de brancos contra negros ou outras.
O cururu de branco versus negros não se observa mais hoje, por ser considerado fato fazendo apologia ao segregacionismo, o que é crime.
Devemos nos lembrar que o palco de desenvolvimento do cururu é uma verdadeira arena, onde os mais diversos recursos são utilizados. A afronta que os cantadores manifestam entre si permanece exclusivamente durante a apresentação do espetáculo. Após ela terminar, a amizade que existia entre os seus elementos permanece a mesma. E esta troca de injúrias tem como fundamento comparações pessoais às vezes nada elogiosas, às fraquezas individuais, sociais, urbanas.
Vamos rememorar que Pedro Chiquito e Parafuso eram negros e Nhô Serra descendente de caboclo. E apesar das mútuas agressões verbais no palco a amizade entre estes elementos durou até o desenlace deles.
Enfim, são cantores digladiando-se com rimas com o objetivo de um ou o grupo ser o vencedor. E este é quem conseguir fazer uma colocação, sem ofender moralmente ao adversário, onde não haja resposta adequada.

A Música no cururu
A música no cururu é fornecida por uma ou duas violas. Antigamente tínhamos a presença de um tambú e de um reco-reco. Não era raro Pedro Chiquito usar pandeiro. Mas isto é exceção.
O número de acordes da viola é pequeno, geralmente dois ou três. A melodia é executada pelo cantor.

Construção do verso
Parece existir alguma similaridade entre os versos cantados pelos cururueiros de hoje e a forma de construção destes versos antigos.
De modo geral são versos octassílabos, com rima entre a primeira e última estrofe. (A-B-C-A). Também pode ocorrer rima entre a 1ª, 3ª e 5ª estrofes (A-B-A-B-A) ou entre as 2ª, 4ª e 6ª estrofes. (B-A-C-A-D-A).
Existe também a rima dobrada, quando ocorre a situação de rima (A-B-B-A), ou (A-B-A-B-A) ou (B-A-C-A-D-A), onde B, C e D podem ser iguais.
A evolução da disseminação das músicas populares
Nos fins do século XIX, as notícias eram veiculadas por jornais, que não eram acessíveis a todas as pessoas. A distribuição era pequena. E os valores não os tornavam acessíveis a todos. Vamos relembrar que o índice de analfabetismo da primeira metade do século XX era extremamente alto e nem todos conseguiam lê-los.
Segundo Zico Moreira , na década de 1920 o cururu era executado nas festas religiosas. Os cantadores eram convidados a ir a determinado lugar. Iam para lá a pé ou a cavalo. Cantavam a noite toda e retornavam pela manhã. Habitualmente não eram remunerados por suas atividades.
O cururu era um meio de diversão e de se veicular notícias na primeira metade do século XX. A expressão musical popular da época era justamente a música caipira.
As rádios no interior paulista só começaram a ser instaladas na década de 1930-1940. A radiodifusão foi uma das formas de se começar a transpor os problemas de comunicação, mas os rádios eram objetos caros, dependentes de eletricidade e inacessíveis à grande maioria da população. Poderíamos falar que começou a tornar-se popular na década de 60, com o transistor.
Na década de 50 o cururu começou a sair da área rural e estabelecer-se nas rádios. No início os programas eram ao vivo, e depois gravados.
Com os meios de comunicação mais aprimorados e a presença da televisão, que se instalaram na década de 60, as antigas modas de viola foram tomando outras características, com quase verdadeiro abandono às formas de origem. Também contribuiu significativamente para isto, entre outros motivos, o êxodo rural e a introdução de novos valores musicais, importados de outros países.
Nas décadas de 60 e 70, inclusive na de 80, a música caipira continuou a se modificar, tendo sofrido uma verdadeira explosão do número de intérpretes, bem como ocorrendo mudanças radicais na forma de apresentação que quase a descaracterizou totalmente. Mas, felizmente, algumas raízes permanecem quase intactas, restritas a algumas regiões específicas, como o vale do Médio Tietê.

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Sebastião da Silva Bueno (1928 1997) - (Nhô Serra)

Se supusermos a influência de Nhô Serra manifestando-se somente durante sua existência estamos errados. Superando a própria morte, provavelmente estendeu suas raízes para a posteridade. Assim é que, em novembro de 2003, sua música Riacho da Saudade foi classificada em 2O lugar no Festival de Música Caipira Viola de Todos os Tempos realizada pelo EPTV. E não poderíamos deixar de anexar a letra deste poema, que fala do âmago de cada pessoa:

“Oh! Riacho da saudade, hoje vim te visitá
Depois de 40 anos andando de lá para cá.
Hoje já tornei voltá
Achei tudo diferente não encontrei mais ninguém
Deu vontade de chorá.
Não vi as árvore das pomba e as pomba revoá
Não vi o véio ingazeiro nem vi o cambará
E a casa de meus pai, meus avô
Onde é que tá?
Só vejo cana plantada pra tudo que é lugá.
Oh! Riacho da saudade, nóis temo que lamentá
Já vi que nosso destino neste mundo é quase iguá.
Suas águas se acabando poluídas como tá
E eu véio e doente, que nem posso mais andá.
Mas agora já te vi chorando quero partir,
Tristonho vou te deixá
Vou subir na cachoeira e lá riba quero chorá.
Com as água dos meu óio
Vou fazer tua água aumentá
E aí por um momento vou ouvir seu chuá, chuá
Oh! Riacho da saudade, ocê não tome por má
Porque agora eu vou m’imbora, tenho que me retirá
Mas uma coisa eu te confesso, você queira desculpá,
Em você véio riacho nunca mais quero voltá”.
Estas letras trazem de nosso âmago todas as mais nostálgicas lembranças, e mais do que nunca nos obrigam a encarar a dura realidade da perenidade do homem. Não poderia deixar de anexar neste livro as linhas escritas pelo jornalista Cecílio Elias Netto em relação a esta música, que vai na íntegra.

Saudade de um riacho
Cecílio Elias Netto


Quando Fernando Pessoa nos revelou que “pensar é estar doente dos olhos”, nunca imaginei que “ouvir é ficar doente do coração”. Ouvindo “Riacho da Saudade”, fiquei ainda mais com saudade de um riacho e, então, adoeci no coração. Pois, pelos ouvidos, nas letras de Nhô Serra e na música de Douglas Simões – a saudade se ampliou. Abarcando tempo e espaço, rimando melancolia com nostalgia. Fiquei com saudade de mim, o menino à beira do rio Piracicaba, os mergulhos do trampolim na certeza de que, de braços abertos, meu pai me esperava para acolher-me. Saudade de, entre receoso e maravilhado, caminhar quase ao lado de “Nhô Lica” , vendo-o recolher pedras, diamantes brutos que ele burilava com sonhos.
Não sei mais se esse poema musicado é um riacho da saudade ou toda a saudade de um riacho, que Nhô Serra e Douglas Simões atiçam e aguçam, como se quisessem cravar-nos de espinhos a alma. Fica um riacho da saudade, um riacho de lágrimas, de algo cristalino e agridoce que viaja do coração aos olhos, escorrendo pelas faces, tornando-se néctar na boca. E, então, descobre-se que os céus inspiraram aquele que, tentando definir a palavra saudade, conseguiu dizer do sentimento que parece já nascer com os corações “vontade de outra vez”.
Este riacho da saudade Fernando Pessoa o conheceu ao simplesmente olhar o seu Tejo amado. E perguntou-se: ”Que é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver?” Ele, pensando, ficou doente dos olhos. Mas se ouvisse este nosso “Riacho da Saudade” não haveria de pensar. Apenas teria saudades. E choraria. Como aconteceu comigo. E outra seria a pergunta, ao Douglas Simões, que consegue trazer Nhô Serra da nuvem onde repousa, aquela que Neruda já fez: “Onde termina o arco-íris, em tua alma ou no horizonte”?
Na saudade de um riacho, descubro que o arco-íris termina no “Riacho da Saudade”, nas almas de Douglas e Serra, em comunhão. Fico, então, com vontade de outra vez.
Piracicaba, 12 de março de 2004.

Notas
Trecho da cantiga “A Bela Infanta “ Romance do Século XV
Estava a bela infanta
no seu jardim assentada,
com o pented'ouro fino
seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
viu vir uma nobre armada
Capitão que nela vinha
Mui bem que a governava.
(www.terravista.pt/ilhadomel/1899/bibblioteca.htlm) em 01.2004.

REDONDILHA: estrofe de quatro versos, rimando o primeiro com o último e o segundo com o terceiro (esquema abba)
Sobre os rios que vão
por Babilônia m' achei,
onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Sobre os rios que vão
(Luís de Camões, RIMAS poesia lírica)
(www.terravista.pt/) em 01 2004
Houve três pilastras que constituíram a base estrutural das raízes de ritmos e ritos, que é um dos fundamentos da nossa cultura.
A primeira foi a religiosidade européia renascentista, com seus poderes , repressiva e com seus conceitos ferrenhos (acobertando entre outros, os interesses do velho continente).
A segunda foi a herança verbal, a musicalidade, a sensualidade e misticismo negro (e de outros povos).
A terceira foi os valores existenciais mais elementares, a inocência e sorumbatismo dos índios (que até faziam os europeus desconsiderem estas pessoas como humanos) .
Com base nestas apreciações podemos ver assentadas as raízes da musicalidade genuinamente brasileira. Conforme a predominância de uma ou outra origem, bem como a intensidade dos costumes regionais, é que tivemos o desenvolvimento dos mais diversos ritmos musicais, podendo estar ou não associados com danças.

Zico Moreira, cururueiro nascido em Tietê em 1902, que viveu na área de Piracicaba e faleceu em 2002 em Anhumas.

Nhô Lica: personagem incorporado ao folclore de Piracicaba, famoso por recolher pedras, que considerava como diamantes, e as levar aos mais diversos lugares para serem guardadas. Eram os famosos diamantes de Nhô Lica, depositados nas mais diversas casas comerciais de Piracicaba, e inclusive também em estabelecimentos bancários.


Vídeos associados
(em construção)





Moacir Siqueira saudando o público e o altar.


Havia antigamente um alto vínculo entre o cururu e as festas religiosas. Então era comum muitas vezes haver um altar montado, com os santos da época, e após a saudação do público, também eram saudados os santos correspondentes.
Moacir Siqueira gentilmente fez em 2004 uma apresentação particular, mostrando como eram feitas estas saudações antigamente.









João Mazzero imitando Antonio Candido (Parafuso).

Antonio Cândido, conhecido pelo nome artístico de Parafuso era filho de Felício Cândido e de Lázara Cândido.
Nascido em 19 de fevereiro de 1920 no Distrito de Recreio, município de Piracicaba, começou a cantar cururu com seus 18 anos, e assim foi por toda a vida.
Casou-se por 3 vezes e teve 22 filhos.
Trabalhou no Engenho Central de Piracicaba e foi onde se aposentou.
Além de cantor de cururu, Parafuso tinha possuia grande capacidade de comunicação, inclusive conseguia manter o público atento com seus trejeitos e comicidades. Desconhece-se quantas apresentações tenha feito, mas calcula-se que o número tenha sido superior a 1.000.
Cantou em toda a região do Médio Tietê, e também fez apresentações em Rio de Juaneiro e Minas Gerais.
Parafuso faleceu em 2 de dezembro de 1973.
Sua passagem foi tão marcante em Piracicaba que, para homenagea-lo existe uma praça com o nome de Praça do Parafuso na cidade.








Horacio Neto imitando Silvio Paes.

Sílvio Paes cantava cururu em Sorocaba. Devido ao timbre agudo que tinha ao contar, também era conhecido como Voz de Araponga.
Ele gravou apenas um LP, onde ele canta contra Dito Silva.
Horácio Neto tem uma grande facilidade em fazer brotar do seu interior a afinidade que existia entre os cantadores e Parafuso. E junto com Laurindo, expressam a asusência que sentem da mirabolante personagem.




Manezinho Moreira cantando Sebastião Paes.

Entre os muitos cantadores existentes, o Manezinho Moreira tem grande facilidade em imitar as toadas dos antigos cantadores. Entre os muitos que nos apresentou, optamos por mostrar seu desempenho cantando um que há muito se foi, Sebastião Paes.




Laurindo Morato e Horácio Neto


Laurindo Morato, também conhecido por Laurindo Saudade, nascido em 1939 começou a tocar viola em 1954. No início, acompanhava seu pai nas apresentações. Ele era "palmeiro", tocava viola, cavaquinho, pandeiro nas festas.
Nascido em Dois Córregos, perto de Jaú, mudou-se para Americana e depois Piracicaba.
Na década de 60 c0nheceu o Nhô Serra, e começaram a tocar na Rádio Difusora de Piracicaba. E acompanhou o Serra (Sebastião da Silva Bueno) até seus últimos dias.
Neste segmento de cantar, recorda-se ele dos antigos cururueiros com quem teve contato, e faz brotar de seu interior toda a saudade por aqueles que já se foram.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

TEATRO EM PIRACICABA



Piracicaba é uma cidade que há muito se prima pela produção intelectual nas mais diversas áreas. E nas artes cênicas também não deixa de ser atuante. Tem sido um berço de atores, onde diversos romperam a barreira da urbe e conseguiram destaque nacional. Relembre-se entre muitos, nomes dos que já se foram, como Lyson Gaster, Cacilda Cavaggioni, Roberto Azevedo, Antonio Carlos Kraide, José Maria Ferreira e outros.

Piracicaba possui incontáveis grupos teatrais, que vão desde os de bairro, passam pelos das faculdades, e os que atuam profissionalmente.

Destes últimos, surgiram outros atores que conseguiram romper definitivamente com barreiras, estabelecendo-se em grandes centros.

Não deixa também nossa urbe de ser relativamente privilegiada, visto contar com cinco teatros (Teatro Municipal de Piracicaba, Teatro da UNIMEP, Teatro do SESI, Teatro do SESC, Teatro São José), isto sem contar as áreas menores onde os respectivos grupos treinam. Já na década de 1850 contava a "Villa da Constituição" com um uma unidade teatral rústica. O primeiro espaço teatral significativo foi constuido na década de 1871 pelo Barão de Rezende e demolido em 1953.

Durante a Semana Santa, a Paixão de Cristo é encenada na cidade há 19 anos, contando com mais de 500 pessoas entre atores e figurantes em 10 palcos diferentes. O espaço utilizado é uma área onde funcionava um Engenho Central (de açúcar), construção da década de 1880, em plena área central da cidade, às margens do rio Piracicaba. Só no ano de 2008 foram 8 apresentações.

Também no ano de 2008 estamos no 3º Fentepira - Festival Nacional de Teatro de Piracicaba. A abertura está prevista para o dia 22 de novembro no SESI e as atrações programadas de 23 a 30 de novembro no Teatro Municipal de Piracicaba. Apresentam-se grupos de Piracicaba, São Paulo, Santo André, Jundiaí, Campinas, Pindamonhangaba, Goiânia.

Um dos atores piracicabanos, Rodrigo Polla deu de presente para Piracicaba no final de outubro quatro espetáculos diferentes, dois em um sábado (Odisséia e O jovem Werner) e dois no domingo (? e Santa Vida Profana). Todos são monólogos bastante expressionistas, onde se torna vital para o ator para envolver a platéia a mímica, expressão corporal, a entonação vocal e outras técnicas.

Odisséia fala sobre a viagem de Ulisses, Rei de Ítaca. Mediante uso de máscaras e outros recursos, ora é narrador, ora representa os lendários personagens narrados por Homero. É um verdadeiro mergulho dentro da história da mitologia grega, como os ciclopes, a deusa Circe, a deusa Calipso e outros até seu retorno com Penélope.

Em O Jovem Werter (de J. W. Goethe) aborda a temática do amor, da paixão, da frustração sentimental (uma verdadeira comunhão entre o personagem e a platéia primeiramente transmitindo a satisfação, e depois em um crescendo, a angústia e tensão) até finalmente explodir em um ápice da tranqüilidade da alma com a consumação do suicídio.

Em ?, texto sedimentado em Metamorfose e O Processo (Franz Kafka) aborda a temática da busca e justificativa existencial.

Finalmente, em Santa Vida Profana, faz enfoque e discussão dos valores humanos e da busca por si mesmo. Nesta representação magnetiza a platéia durante quase uma hora de espetáculo quase sem pronunciar nenhuma palavra. A expressão corporal e a mímica são os pontos altos da interação ator platéia.

Confira em www.youtube.com os filmes:

O Jovem Werther


Santa Vida Profana.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Contribuição ao Entendimento da Festa do Divino


FESTA DO DIVINO

A PRESENÇA DO MEDIEVAL NO SÉCULO XXI
CONTRIBUIÇÃO AO ENTENDIMENTO DA FESTA DO DIVINO (2004)




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I-A colonização do Brasil
A introdução de costumes e filosofia européia que predominaram na fase de Brasil Colônia vieram a criar algumas raízes que foram um dos lastros da religiosidade que temos hoje no Brasil.
Para se empreender a implantação do relacionamento bem como a catequese dos índios, se fazia como primeira necessidade ganhar sua confiança. E dentro da filosofia, a escolha recaiu sobre a recém fundada Escola de Santo Ignácio de Loyola.
Independente das discussões acadêmicas entre as reais intenções de Portugal e das jesuíticas no Novo Mundo (América do Sul), a realidade é que a presença destes últimos além de novos valores religiosos e filosóficos, também trouxeram o desenvolvimento em outras áreas. Suas grandes influências se fizeram sentir com maior intensidade na área das Missões, que envolvia a região sul do Brasil, parte da Argentina, Paraguai e Uruguai. Alguns chegaram inclusive a temer o desenvolvimento de uma república jesuítica na América do Sul.
As atividades jesuíticas encerraram-se em 21 de Julho de 1773[1]. Nos seus duzentos e trinta anos de presença, moldaram uma série de raízes, que se constituíram em um dos sustentáculos do desenvolvimento.

II-A situação da assistência médica e religiosa nos séculos XVI e XIX
Se há algo que podemos comentar comparativamente entre a medicina deste período, é que antes de mais nada, os tratamentos propostos eram algo totalmente empírico, e quase sempre sem nenhuma base fundamentada. Conhecia-se o efeito de algumas poucas drogas, na maioria ervas medicinais. Sangrias e emplastos eram outros métodos utilizados, bem como aplicação de calor seco ou úmido, mas todos de efeitos extremamente duvidosos.
Igualmente os conhecimentos médicos dos índios eram totalmente sem caráter científico. Havia algum conhecimento de ervas, mas o fundo místico e mágico era quem predominava.
Apesar desta característica dos conhecimentos médicos, ele foi um dos mais poderosos argumentos utilizados pelos jesuítas na catequese para a captação da confiança e simpatia dos silvícolas. Chegaram até mesmo a serem denominados pelos nativos de “filhos de Deus”.
O endeusamento dos jesuítas constituiu-se no primeiro passo na implementação dos aspectos religiosos brasileiros.
A presença religiosa e a religiosidade constituíram-se em fato de fundamental importância na vida cotidiana das pessoas. Até mesmo numa época anterior, até na formação das “bandeiras”, era imprescindível à assistência espiritual[2].

III-Vislumbres de viagem no século XVIII
10 de Março (1769)
“Chamam-se estas embarcações vulgarmente canoas, são feitas de um só pau, tem comprimento de cinqüenta até sessenta palmos[3], e de boca cinco até sete; são agudas para a proa e popa, à maneira de uma lançadeira de tecelão”[4].
14 de Abril (1769)
...“vencido este trabalho, se tornaram a carregar as embarcações e foi ao meio dia embarcando toda a gente navegamos por tempo de quatro horas, e porque nos visse uma grande tempestade de chuva, trovões e raios, nos vimos obrigados a embicar as embarcações no barranco do rio sem que ninguém pudesse saltar em terra cujo barranco era bastante alto e com grossos matos; e assim prendendo as embarcações aos pés de raízes das árvores com correntes de ferro e outras com grossos cipós, assim passamos esta noite sofrendo esta tão horrorosa tempestade molhando-se tudo, e caindo dois raios que despedaçando e desgalhando grossas árvores, nos vimos quase nos últimos fins da vida entoando todos a ladainha de N. Senhora e cada um se recomendava-se ao santo de suas maior devoção[5]”...
15 de Abril (1769)
“Neste dia amanhecemos como quem passou uma noite tão tenebrosa e perigosa, e achamos uma criança morta à qual se deu sepultura no mato[6]

IV- De como se foi impelida a necessidade da fé no ribeirinho.
A descrição anterior nos faz lembrar o refrão: “fora de Deus não há salvação”... É o que realmente acontecia naquele tempo. Havia a necessidade de se crer em algo transcendental, que fosse uma idéia ou raciocínio mágico, que pudesse criar uma alternativa para o desespero avassalador que envolvia as situações. E a fé era esta alternativa. Se havia a que ou a quem recorrer que pudesse fornecer a devida assistência espiritual, havia o consolo que mitigava a aflição.
Mas a assistência religiosa era parca. As dificuldades de locomoção eram extremas. Os padres eram poucos, e ficavam mais restritos aos grandes centros. Pequenas povoações raramente ou nunca os viam. Crianças nasciam e morriam ser serem batizadas. E o mesmo ocorria com os adultos.

V-A história não muda muito
Dia 31 de maio de 1839
“Muito sofriam os moradores das margens do Rio Tietê com o impaludismo que aparecia após as prolongadas chuvas e enchentes.
Esta calamidade não era motivo para que se abandonasse as férteis terras que lavravam próximas ao rio, não obstante ter sobrevindo em 1839 uma epidemia de sezões, e outras febres de mau caráter, que ceifavam centenas de vitimas, e ainda, que temporariamente, embaraçavam a corrente dos que buscavam terras mais férteis e em maiores extensões para nelas se estabelecerem, de preferência nas margens do Tietê e Sorocaba, onde, com mais freqüência e intensidade, reinavam tais febres.
Esta epidemia, que até há pouco tempo se reproduzia em um ou outro ano, com menor intensidade, foi denominada e até hoje é lembrada pelo nome de peste grande.
Um fato deu-se então no Bairro da Água Branca, digno de nota e de profunda lástima. Moravam em uma pequena casa Salvador dos Santos e sua mulher, que tinha uma criança de cerca de um ano, que ainda mamava. Tendo sidos atacados pela moléstia, sucumbiram ambos na mesma noite e na mesma cama, sendo no dia seguinte encontrados por um vizinho. Restara viva apenas a criança, que ainda sugava o leite da mãe morta.
Estas epidemias, cuja periodicidade era assinalada já em 1833, repetiram-se por muito tempo, em todo o município, nas partes banhadas pelo Rio Tietê e suas afluentes, sempre com maior virulência no antigo povoado de São Sebastião, depois Distrito de Laras.
São citadas como as de maior prejuízo para as populações dos municípios as epidemias de 1839, 1847, 1854, 1868, 1877, 1900, 1908, 1911, 1914 e 1918[7].”
15 de abril de 1868 (Epidemia de maleitas em São Sebastião).
Após as chuvas periódicas, quando antigamente caiam torrencialmente e levavam ao rio Tietê a transbordar e espraiar-se pelas baixadas marginais, formando poças e lagoas, campo adequado à proliferação das larvas dos mosquitos transmissores, como s e descobriu mais tarde, vinha a maleita com seu cortejo de calamidades.
Assim acontecia há quase todos os anos, com raros intervalos. Várias epidemias, e algumas de vastas proporções estão registradas nas crônicas tieteenses. A epidemia que levou os moradores ribeirinhos a fazer a promessa do Divino Espírito Santo, pressupõe-se seja a de 1839 que, segundo rezam as tradições, foi denominada de “grande peste”.
Em 1868 repete-se o fenômeno. A zona do município mais propicia ao mal e onde se apresente letífera é o território da antiga Capela de São Sebastião até Pau Cavalo (atual Distrito de Conchas do Município de Laranjal Paulista.).
Ofício do Dr. Francisco Ezequiel Meira, de 15 de Abril de 1868 ao Conselheiro Joaquim Saldanha Marinho:
“O estado calamitoso que se acham os habitantes deste município, moradores nas margens do rio Tietê, acometidos da terrível epidemia do tifo, ou febre tifóide, que os leva ao túmulo em maior parte em três ou quatro dias, os clamores destes infelizes, que, sem recursos morrem à mingua dos socorros da ciência e da religião”... [8].
2 de Julho de 1872
“Estando a grassar terrível epidemia de maleita na região de São Sebastião, a Câmara Municipal em 14 de Junho de 1877 resolve enviar socorros médicos e alimentares à pobreza desvalida daquele lugar”.
...“foram medicados e receberam os remédios necessários duzentos doentes, para duzentos noventa e dois foram feitos distribuição de gêneros alimentícios[9]”.

VI-O significado religioso no Brasil do Divino Espírito Santo

Os relatos anteriores são bastante claros. Não havia nem assistência médica nem social ou religiosa. Somente o terror do desconhecido amanhã, o receio da inquestionável mão da morte que se abatia sobre eles. A própria Câmara Municipal mostrava-se congelada dentro de sua atuação, e aparentemente tomava medidas de ajuda tardias.
E foi neste total desespero de desesperança que surgiu a idéia da promessa. Foi uma luz no fim do túnel, uma última esperança em que se agarrar. Se as doenças não mais viessem a ocorrer, todos os anos o povo ribeirinho pagaria o juramento ao Divino Espírito Santo de levar o auxílio e a assistência espiritual aos seus irmãos. A data eleita foi a de pentecostes, quando a Igreja Católica celebra a descida do Espírito Santo aos apóstolos, 50 dias após a páscoa.
A ocorrência das epidemias foi tornando-se menos freqüente. E isto acalentou ainda mais a fé de que o Divino Espírito Santo havia intercedido pelo povo nestas localidades.

VII-A bacia do Médio Tietê
Por extensão e situações similares, a mesma promessa foi feita na cidade de Tietê, em Itu, Anhembi, Conchas e Piracicaba. Ignora-se exatamente quando isto ocorreu, mas a diferença de datas não dever ser muita.
Inicialmente, a Irmandade nada mais era que um grupo de pessoas, sem nenhuma organização, que cumpria suas promessas. Era algo que tinha inclusive até certo caráter familiar, passando de pai para filho, e todos carregando a Bandeira do Divino. Aqueles que acreditavam no Divino, juntavam-se à manifestação e a acompanhavam. O aumento do número de pessoas obrigou a formar uma sociedade para sua melhor manutenção. O diretor exercia seu cargo por certo tempo, e depois escolhia seu sucessor. Algumas condutas da Irmandade ainda permanecem com o caráter familiar.
Por ser uma festa com fundo religioso foi incorporada pela Igreja Católica Apostólica Romana em grau variável, dependendo da localidade. Houve locais que ocorreu cisão entre os irmãos do Divino e a Igreja, mas depois de um afastamento próximo de 30 anos, as duas reconciliaram-se novamente.
E desde então, tem sido compromisso dos que pertencem à Irmandade, continuar cumprindo com as obrigações assumidas anteriormente.

VIII-A extensão do significado religioso do Divino

A Festa do Divino ao longo do tempo foi apresentando mudanças dentro de seu significado religioso inicial. Se a população alvo inicialmente eram os ribeirinhos, logo a devoção dos seus fieis, a ocorrência de fatos que escapavam à compreensão humana lógica, acarretaram a expansão da população inicialmente proposta.
Então, graças começaram a ser alcançadas, devido a conversões, ao nascimento de fé do cético, à presença de se obter o improvável. São relatados pelos fiéis casos de remissão de série de doenças. E as graças eram atingidas pelo pedido dos próprios doentes, ou por aqueles que por eles intercediam. Há relato de pessoas que atingiram metas materiais que não conseguiam pelos meios habituais. E os relatos sucediam-se cada vez mais, chegando a escapar à expectativa do lógico. Então os fatos alcançaram o ponto de ser denominado de milagres na visão popular...
A fama dos acontecimentos se espalhou. E com isto também o número de devotos. Surge então um verdadeiro culto ao Divino Espírito Santo, não mais simplesmente como um agradecimento à não ocorrência das epidemias, mas sim como uma comunhão selada entre o Homem e Deus, como uma forma em se pedir e eventualmente atingir objetivos que escapam à capacidade e compreensão humana.
Atualmente a fama do Culto do Divino ultrapassa as cidades vizinhas, atingindo inclusive outros estados.

IX-As ramificações da Festa do Divino em outros estados
A Festa do Divino (como descrita) ocorre hoje só em parte de São Paulo (Médio Tietê), Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mas não esqueçamos que também em algumas localidades do Estado do Espírito Santo fazem celebrações ainda hoje, com característicqas diversas.
Todos os núcleos coloniais, antigas colônias, desses estados onde se tornou predominante à população de origem não portuguesa e onde, por várias razões, como no nordeste, centro e centro-norte do Brasil, influíram fatores alienígenas e indígenas (africanos e índios principalmente), a festa do Espírito Santo passou sem deixar vestígio, ou nunca foi comemorada popularmente.

X-A atual Festa do Divino
O que será exposto foi baseado em observações realizadas nas Irmandades do Divino de Anhembi, Distrito de Laras, Conchas e Tietê durante o ano de 2004. As informações também foram colhidas em Piracicaba.

1- A idéia atual da Festa do Divino é rememorar as tradições, as viagens que os antigos irmãos fizeram, e levar a religiosidade aos que dela necessitam. Além disto, os irmãos também vivenciam as verdadeiras raízes da festa. Estão dentro dela para penitenciarem-se, para agradecerem graças recebidas, para implorarem pela bondade divina para atingir algo que eles próprios ou alguém que dela necessita.
2- Consideramos de suma importância a presença de jovens na festa do Divino. Em Anhembi e no Distrito de Laras observamos a presença de muitas crianças, meninos, moços imberbes e adolescentes. Isto nos propicia sensação que provavelmente esta manifestação folclórico-religiosa será mantida com menos alterações e será muito mais difícil de eventualmente parar de existir. Nas outras observamos menor número.
Não devemos esquecer que este critério é subjetivo, visto que as Irmandades não são estanques, sendo que existem irmãos de outras cidades, e irmãos que pertencem a duas ou mais Irmandades concomitantemente. Nas viagens de Anhembi tivemos aproximadamente 60 irmãos viajando, enquanto que no dia da Festa do Divino, o número de irmãos foi entre 150 a 200.

3- O símbolo do Divino é uma pomba. Mas em muitos estandartes do Divino existe na parte superior uma meia circunferência rodeada por um semicírculo e a presença de sete raios ligados nesta última. Estes representam os sete dons do Divino: a sabedoria, a inteligência, o conselho, a fortaleza, a ciência, a piedade e o temor a Deus.
O dom da sabedoria fortalece a caridade e nos prepara para a visão plena de Deus. O da inteligência permite que possamos sempre optar pelo melhor caminho. O do conselho sana nossa irreflexão e precipitação no encontro de soluções. O da fortaleza permite-nos tornarmos corajosos diante das dificuldades. Firma-se na fé e esperança de um Deus de bondade e misericórdia; O da ciência permite com que possamos julgar corretamente, orientados por Deus. O da piedade mostra-nos um Deus de bondade, misericórdia e compaixão, e espera que nós sigamos o exemplo. O do temor a Deus lembra-nos que devemos ter com Ele uma atitude de respeito.
4- Antigamente todos os barcos eram esculpidos em uma única tora de madeira. Na década de 1970 passou-se a utilizar barcos feitos de tábuas. Agora, para uma maior segurança dos irmãos, os barcos utilizados são feitos de chapas de ferro.
Como critério de segurança, no dia do encontro, a Marinha proíbe a navegação de qualquer tipo de barco na região. Isto ocorreu em Anhembi, mas não foi visto no Distrito de Laras.
Também antigamente, até a década de 50, utilizava-se sistema denominado de “ronqueira”, um cano grande, de grosso diâmetro, que era cheio de pólvora, e quando aceso provocava um estampido extremamente forte[10].
5- Torna-se intimidante o que estes Irmãos passam em suas peregrinações. Esta é executada por um período de mais ou menos 20 dias. São os pousos.
Estas pessoas, durante este tempo, submetem-se às mais rígidas normas de disciplina, de abnegação, de renúncia às condições materiais.
6- As finanças das Irmandades do Divino são originárias das espórtulas arrecadadas. Algumas, como a Irmandade de Tietê cobrava uma anuidade de seus associados. Isto não ocorre com a do Distrito de Laras e de Anhembi.
O dinheiro arrecadado da Festa do Divino é proveniente da venda de lugares (espaços públicas) para montagem de barracas, das refeições servidas pela irmandade, das doações feitas, do leilão. Estas verbas são administradas pelo festeiro, e da renda líquida, uma porcentagem é repassada à Cúria, e o restante permanece para a Igreja (no Distrito de Laras).
7- Regulamento para viagem da Irmandade de Anhembi:
1- todos os irmãos viajarão com uniforme e divisas tradicionais.
3[11]- todos os irmãos são obrigados a participar das rezas e das orações de manhã e a noite.
4- Só será permitido que os irmãos conversem com mulheres em caso de necessidade, mesmo assim por pouco tempo.
6- todos os irmãos devem sempre manter fila.
7- não será permitido que, para não sacrificar, o irmão peça para alguém levar sua mala em veículo para os locais de pouso ou almoço.
9- não é permitido conversar nem fumar quando o folião estiver cantando, nem na hora do terço e também nas filas.
10- não fumar nem se afastar do lugar da mesa antes de rezar.
11- não procurar lugar para dormir antes de terminar as obrigações.
12- não será permitido aos irmãos tomarem bebida alcoólica durante a viagem.
13- não será permitido viajar o irmão que estiver amasiado ou que foi casado somente no civil.
18- é proibido o uso de brincos e óculos escuros, com exceção aos irmãos portadores de deficiência visual.
8- Não encontrei regulamento escrito das outras Irmandades. Nelas parece haver um pouco mais de liberalidade dentro das condutas contensivas.
9- Durante os pousos, no mínimo uma vez ocorre com diretor da Irmandade reunião fechada com os irmãos fazendo avaliação da viagem, e orientando as correções que achar necessário.
10- Em todas as Irmandades viajam todos os irmãos que desejarem exceto a de Tietê, em que viajam 7 irmãos. Alguns viajam quase que todo o período, outros dentro de sua possibilidade de tempo.
Todos os irmãos viajam de livre e espontânea vontade. Os sete irmãos de Tietê que viajam são remunerados. Também o são o folião e os meninos do Distrito de Laras, e ¿os trabuqueiros de Anhembi.?.
11- Acidentes durante as viagens são raros. Há notícias de quadros menores de infecção intestinal, gripes, fraturas e ferimentos menores.
12- Vimos como rotina a presença de amortalhados em todas as cidades em que existe a Festa do Divino, exceto em Tietê. Em Anhembi existem amortalhados dentro da própria igreja.
Também em Anhembi foi presenciado o canto denominado saranga[12] executado dentro da própria igreja, além das canoas. Na Irmandade do Distrito de Laras, o mesmo foi executado nas canoas. Em Tietê não observei sua entonação.
13- Em todos os lugares que os irmãos chegam para os pousos, realiza-se procissão onde os festeiros irão receber os irmãos. Os festeiros levam o andor, e após o encontro são transferidas as estes as bandeiras do Divino. Algumas pessoas idosas interpretam o encontro como o encontro entre Nossa Senhora e Jesus[13].
14- Existe um critério em servir a alimentação nos pousos. Os primeiros a alimentarem-se são os irmãos, depois as mulheres e crianças e por último os homens. O que impressiona é o número de pessoas que surgem para os almoços ou jantares. Habitualmente supera-se o valor de quinhentas pessoas. E nunca falta comida a quem quer que seja. Quando ainda há sobra de comida, esta é encaminhada a entidades assistenciais, asilos de velhice.

15- Em todos os locais, o mastro é carregado com lenços, sem se colocar a mão. Mas quando inquiridos do porque disto, não houve uma explicação para o fato. Um único comentário foi feito por uma senhora de seus oitenta anos em Anhembi, que justificou o processo dizendo que o mastro carreia junto a si o símbolo da cruz, e este é por demais sagrado para ser tocado por mãos humanas.
16- A procissão que vai de encontro com a Irmandade nunca deve ultrapassar a local onde está colocado o mastro.
17- Há referência feita pela Prof. Dra. Zuleika de Paula em seu livro ”Festa de Anhembi[14]”, onde velas acesas eram colocadas à volta do mastro (p. 63). Isto não foi mais observado.
18- O mastro habitualmente permanece o ano inteiro onde foi colocado, sendo somente descido ou trocado quando se aproxima outro pouso. O significado implícito de sua presença é que o lugar em que está ereto está sob a proteção do Espírito Santo.

19- Está a haver problemas com “os meninos” que acompanham o folião. A sua função é cantar. Devido a problemas por faltas escolares alguns locais como em Tietê, os meninos estão sendo substituídos por adultos. Ainda nos outros locais, as canções são entoadas por crianças. Os instrumentos musicais que ainda são utilizados são a viola, o tambor e o triângulo. Não é mais observado o chocalho, como referido pela Prof. Dra. Zuleika de Paula. (p. 67).
20- No dia do encontro, as cidades se modificam. Anhembi e o Distrito de Laras vestem-se de tudo que são vendedores ambulantes. Todas as ruas são ocupadas. A área central da cidade é interditada aos veículos motores. Esquemas especiais de segurança são montados. Durante a festa, existe ocorrência esporádica de furtos menores.. A maioria das ocorrências policiais dizem respeito à excessos alcoólicos a noite, no baile que geralmente realiza-se.
21- A Irmandade tem por hábito auxiliar os irmãos mais necessitados frente a uma urgência.

22- As privações a que são submetidas os irmãos durante os pousos é extrema. Almoçam em um lugar. Viajam. E à noite vão para outro. Na grande maioria das vezes não há local específico para dormir. Dorme-se onde puder, embaixo de árvores e arbustos. Algumas vezes uma fogueira arde espantando o frio da madrugada...
É neste momento que a fé tem que estar inabalável. Uma mortalha de sentimentos desconexos envolve a cada irmão, onde a desobediência mescla-se com a submissão, a tristeza com a alegria, a humilhação com o engrandecimento, o desencanto com o êxtase...
Nada mais resta do que a própria fé em algo superior, que transcende a individualidade para ser o esteio. Cada irmão passa a ser o respaldado de outro. E num momento mágico, o indivíduo como ser único para de existir.
É neste momento em que ocorre o exame de consciência. É neste momento que ocorre a verdadeira via crúcis. É o próprio calvário que se faz presente no âmago de cada irmão, cada um carregando sua cruz, seus pecados, seus arrependimentos. É a própria fragmentação de todos os valores anteriores e o renascer de algo novo, muito mais profundo, um novo entendimento e uma nova dignidade de cada um. É ao mesmo tempo o fim e o começo de cada irmão. É a fênix renascida...
É neste momento em eles passam de simples humanos a pessoas santificadas. Atuam como verdadeiros multiplicadores e distribuidores da bonança divina.
É neste momento que em sua presença estamos em verdadeira comunhão, e então o Espírito Santo estende suas asas sobre nós. É neste momento que são encarnação e veículos do perdão divino. E então cada um de nós renasce...

Trechos do depoimento de Padre Marcelo Aparecido Paes
8 de maio de 2004
Paróquia N. Sra Remédios
Anhembi
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A festa do divino ocorre na véspera de pentecostes, onde nós recebemos mais de trinta mil pessoas numa cidade que tem quatro mil habitantes.
Esta festa do divino tem uma característica muito importante, que a gente deve apresentar. Primeiro a esta cultura folclórica religiosa. Eu cheguei há cinco anos atrás. A princípio eu confesso que eu assustei com a cultura, a devoção ao Espírito Santo de uma maneira diferente da qual eu tinha e ainda tenho.
Mas ao longo destes anos, com este processo de conhecimento, é que eu pude mergulhar um pouco nesta cultura, na vida folclórica, e principalmente nesta religiosidade popular que o povo de Anhembi e de muitas regiões e muitas localidades tem.
Uma das características da festa do divino de fato é a adoração à terceira pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito Santo de Deus, que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado.
Esta devoção popular gera uma fé muito dinâmica, uma fé que as pessoas acreditam piamente que tudo aquilo que pedirem ao Divino Espírito Santo recebem. E recebendo, eles querem de fato agradecer, agradecer ao Divino Espírito.
Então esta cultura folclórica religiosa, ela de fato está marcada no coração, na vida das pessoas nesta cidade. É muito forte, que modifica a vida das pessoas, que tem de fato modificado o cotidiano das pessoas quando chega aos meados da festa.
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Eu costumo dizer que há uma diferença entre fé e devoção. A fé é uma convicção na pessoa da Santíssima Trindade, no Deus Espírito Santo[15] e devoção[16] é de fato uma profunda riqueza de busca e satisfação de suas vontades, e de fato de sua religiosidade.
A devoção de fato leva a pessoa à vinda do Espírito Santo. A fé leva verdadeiramente ao segmento do que a devoção crê.
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Esta irmandade tem uma característica muito importante. São homens que são chamados pela igreja e pelo Espírito Santo em primeiro lugar para serem canais de evangelização. Onde a igreja não tem condições de ir, onde a igreja tem dificuldade em estar, a irmandade está justamente para levar o anúncio da salvação que vem de Jesus Cristo, e para dar um pouco mais de conforto, paz, alegria, harmonia, de felicidade, um pouco mais de perspectiva de vida àquelas pessoas que recebem a irmandade.
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A primeira coisa sagrada que tem na Irmandade e nas pessoas que tem devoção ao Espírito Santo é a Bandeira do Divino. As três bandeiras, os três estandartes do divino. Esta bandeira é o sinal da presença do Divino Espírito Santo. O espírito santo é visto por sinais. Por exemplo, a água e sinal do EP quando a Bíblia fala “dedo de Deus”, como São Paulo. Nas suas leituras, ”o dedo de Deus”, é o Espírito Santo que ele quer se referir.
Então a bandeira é um sinal que o Espírito Santo está presente, como a Bíblia do Antigo Testamento falava no sopro, na água, no vento, nas nuvens, é a presença de Deus Espírito Santo. E ele tem uma devoção até a ponto de beijar esta bandeira a fim de receber graças sobre graças.
É importante dizer que ao longo da história da festa do Divino, as pessoas fizeram promessas, fizeram intenções, fizeram pedidos, e quando recebiam e até mesmo antes de receber, queriam já pagar estas promessas, queriam responder as graças recebidas ou até então pedidas e não ainda recebidas. Então eles deitavam no chão, muitas vezes embolados em lençóis e eu costumo faze assim uma alusão aos lençóis, dizendo que ali é o envolvimento do Espírito Santo na pessoa. E a irmandade do Divino passava em cima destas pessoas dizendo: ”Espírito Santo tende piedade de nós”. Então estes são chamados os amortalhados, pessoas que deitam e levantam com uma vida nova, pelo Espírito Santo.
Hoje é o dia do embarque da irmandade, então dão duas canoas as quais eles vão usar para que pelo rio Tietê, eles possam ir até os locais mais distantes onde vão ter pouso, momentos de almoço, rezas, momento do café, momento de reza juntos, momentos de graças com as pessoas que participarem.
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No dia da festa, além das orações, alem da parte recreativa, alem da parte religiosa, existe no rio Tietê, que beira a cidade, o encontro das canoas. Posso dizer que de fato, este é o ponto chave da Festa do Divino. Pois eles acreditam que nas águas do rio Tietê, as duas canoas, eles usando as roupas brancas com alguma parte vermelha, ali com as bandeiras, no momento em que as duas canoas se cruzam, aí a plenitude do Espírito acontece na vida das pessoas. Eu me emocionei, eu tenho me emocionado e ainda muito me emociono com a quantidade de pessoas que ficam à beira do rio Tietê não só observando, mas participando deste momento.
A Irmandade do Divino se encontra, e aí as graças acontecem. Ali as coisas sobrenaturais acontecem. Muitas coisas que aos olhos humanos a gente não consegue ver, mas aos olhos da fé a gente vê. Muitas coisas acontecem inexplicavelmente, muitas curas físicas, muitas curas espirituais, muitas conversões acontecem, muito alivio das dores, muita fortaleza muito ânimo vai acontecendo na vida daquelas pessoas, que com muita fé olhas para este momento tão rico do encontro das canoas.
Depois deste encontro das canoas acontece com mais precisão, mais força, mais quantidade o chamado amortalhados. São inúmeros. O ano passado tivemos amortalhados deitado no chão para que a Bandeira do Divino passasse, os irmãos passassem por cima. Foram mais ou menos mil pessoas que deitaram ao longo do trajeto para a Irmandade que sai da canoa e vem até a igreja para celebrar a missa. Então são graças sobre graças.
Eu gostaria que ficasse registrado o amor e o carinho que a Igreja tem principalmente à Irmandade do Divino. A Irmandade do Divino é um sinal de Deus.
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Bibliografia

Abreu, Capistrano de: Capítulos da História Colonial (Ministério da Cultura Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro).
Assunção, Paulo de: Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos / - São Paulo Editora da Universidade de São Paulo, 2004 (ISBN 85-314-0799-0)
Carradore, Hugo Pedro: Retrato das Tradições Piracicabanas, Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, Editora e Gráfica Degaspari 1998
Haubert, Máxime: Índios e Jesuítas no tempo das missões, São Paulo, Companhia de Letras: Círculo do Livro 1990 (ISBN 85-7164-101-3)
Juzarte, Teutônio Jose: Diário da Navegação de - EDUSP 2000 Jonas Soares de Sousa. Miyoko Makino (ISBN 85-314-0564-5 Edusp)
Paula, Zuleika de: Festa de Anhembi, encontro e amortalhados, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas (São Paulo) 1978
Pires de Almeida, Benedicto: Cronologia Tietense Milesi Editora Ltda 1980.
Santos Filho, Lycurgo: História Geral da Medicina Brasileira, Edusp, 1991
Atas da Irmandade do Divino de Tietê.(1963-1990)
História dos Jesuítas www.unicap.br/htlm/historia.htm (6/1997)
Jesuítas- História em Portugal www.companhia-jesus.pt/intro/hist_port.htm
[1] Os jesuítas foram expulsos pela primeira vez do Brasil em 1640 por se oporem energicamente à escravidão. Retornaram 13 anos depois, até serem expulsos em definitivo em 1759 por Sebastião José de Carvalho e Melho, Conde de Oeiras e futuro Marques de Pombal.
[2] “Meu capelão saiu para fora estando eu para sair para a campanha”, escrevia Domingos Jorge Velho em novembro de 1692, “mandei-o buscar; não quis vir; de necessidade busquei o inimigo; sem ele morreram-me três homens brancos sem confissão, cousa que mais tenho sentido nesta vida; peço-lhe pelo amor de Deus me mande um clérigo em falta de um frade, pois se não pode andar na campanha e sendo com tanto risco de vida sem capelão”... CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL Capistrano de Abreu (MINISTÉRIO DA CULTURA Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro).
[3] Palmo, antiga medida de extensão, com valor de 22 centímetros.
[4] Diário da Navegação no rio Tietê, rio Grande Paraná e rio Guatemi, de Teutônio Jose Juzarte- EDUSP Jonas Soares de Sousa. Miyoko Makino

[5] Id
[6] Id

[7] Cronologia Tietense, Benedito Pires de Almeida 1980- p. 514-515.
[8] Cronica Tietense pg 363, 364
[9] Crônica Tietense, pg 611
[10] Informação fornecida por Paulo Prata, morador do Distrito de Laras.
[11] O número está correto, pois não foram reproduzidos todos os itens, apenas os considerados mais importantes.
[12] Também denominado de serenga por Mainard Araujo. Este canto, mais um lamento, é executado nos momentos mais difíceis quando se rema, como passagem das corredeiras, no cansaço.
[13] Consideramos de importância a as simbologias explicadas por algumas pessoas, independentemente de ser ou não da concordância de todos.
[14] Festa do Anhembi Encontro e Amortalhados, Zuleika de Paula, São Paulo 1978
[15] Fé: a primeira das três virtudes teológicas, confiança absoluta na crença religiosa sem fundamento em argumentos racionais, embora eventualmente alcançando verdades compatíveis com aquelas obtidas por meio da razão.
[16] Devoção, apego sincero e fervoroso a Deus ou aos santos, sob uma forma litúrgica ou por práticas regulares privadas.


Os filmes sobre a Irmandade do Divino da Cidade de Anhembi e do Distrito de Laras (Município de Laranjal Paulista) estão a disposição no Youtube com o nome de Festa de Divino de Anhembi e Festa do Divino de Laras.
O meu mais sincero agradecimento à Irmandade do Divino de Anhembi e Laras, ao hospitaleiro povo das duas cidades pela recepção e inestimáveis auxílios prestados, e por último a incessante colaboração de Oscar Bueno da Silva (Serrinha).