quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O PODER ABSOLUTO (ODE DE SCHILLER)



Hoje enviaram-me letra e música do quarto movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven cantada por mil pessoas. Realmente espantoso o desempenho. Mas, seja qual for o tamanho do coral, ela sempre será espantosa pela sua musicalidade, e principalmente pelo Ode de Alegria (1785), de Schiller (1759-1805).
 

Acredito que seria de importância relembrar que Schiller foi filho de cirurgião militar. Entra para academia militar, inicia e abandona o curso de Direito e adentra no de Medicina. Neste tempo tem verdadeira paixão pela literatura, como Plutarco, Shakespeare, Klopstock, Goethe, Lessing, Kant, Voltaire e Rousseau.
(Barítono)
Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

(Barítonos, quarteto e coro)
Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce voo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Alegrias bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

(Tenor solo e coro)
Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

(Coro)
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.


De imediato evoca-me a ideia do filme “Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), de Stanley Kubrick (1971).

O extremo, onde o conceito de poder absoluto, em ultra violência gratuita, com o intuito de apenas a satisfação pessoal (ou sob qualquer outra justificativa) é algo inaceitável dentro da lógica e sanidade humana. A frase “o homem é o único animal racional: mata por prazer...” é o limite conceitual social do intolerável e inadmissível como grau de liberdade humana. Também o oposto, a submissão incontinente e voluptuosa é altamente impudica e libertina, carreando o mesmo sabor de asco e repugnância.

Mas o “pool” destes dois conceitos opostos, e a isto ainda acrescentado o Ode da Alegria constituem o núcleo explosivo da pluralidade humana em todos os sentidos, que na sua forma global, independente dos valores morais, sociais ou qualquer outro que se possa imaginar, levam a visão humana ao seu ponto mais independente do meio que o cerca, e intolerável, frente às condutas e decisões que possam ser assumidas neste estadio.

Quando abandonamos por alguns breves momentos a mediana da existência da conduta humana, e nos atrevemos a abrir as portas para observar estas condições particulares existenciais, começamos a nos sentir massacrados e verdadeiros párias sociais frente à impúdica ausência de limites e suas consequências. Mas de outro, a concepção de sensação de plena e total liberdade existencial, do absoluto poder sem limites, no limiar do inatingível, da satisfação contínua e ilimitada, da não fronteira a não ser aquela que eventualmente impomos a nós mesmos sem qualquer interferência, são fantasias de conquistas que podem ser saboreadas com total e indescritível prazer. E este sabor não se consegue em nenhum outro local ou modo, e sob nenhuma outra justificativa. O gosto de poder sobre a vida e morte de qualquer coisa é extremamente envolvente, e também periculoso e perigoso. É uma verdadeira ameaça a qualquer coisa, material ou imaterial que exista. Mas leva ao êxtase divinal. O bel prazer de criar ou varrer permanentemente da existência alguma coisa é o primeiro passo do êxtase do poder absoluto. E assim nos aproximamos ou de deus ou do diabo.

Todo o poder absoluto embriaga... e corrompe. Pois chega um momento que começamos a ver as coisas sob um prisma deturpado, que foge à realidade. Chega-se um momento que nós próprios criamos as verdades e realidades, plantamos os fatos e erigimos as continuidades segundo nosso sabor. Este exercício de se criar uma mundo fantasia, conquanto seja algo benéfico dentro da habilidade em se erigir, e transformar idéias em plena realidade, de outro lado pode-se tornar altamente maléfico. Este é o começo da perdição de qualquer um que se julgue acima da média. E, quanto mais avançamos nestas realidades virtuais, mais nos aproximamos dos deuses. É claro que o mero esboço de se atingir estes objetivos, por mínimos que sejam, seremos julgados como verdadeiro diabo. Nossos atos nunca poderiam ser entendidos como construtivos, positivistas, mas sempre pelo verso, onde o objetivo único é a destruição. E mesmo que assim o fossem, o ciúmes e a limitação de outros em fazer o mesmo seria o estímulo para os similares destruírem aquilo que não entendem ou foge à sua capacidade de realização.

Quando chegamos ao ponto de esboçar poder conduzir as realidades segundo nosso bel prazer, é chegado o momento de se ter a lucidez em nos afastarmos deste cálice de vinho, por mais saboroso que ele seja, e simplesmente parar. É chegado o momento do ocaso, e de encerrarmos todas as atividades, sejam elas quais forem, nos despojarmos desta capacidade e mergulharmos na simplicidade existencial. É chegado o momento em simplesmente pararmos de agir, e simplesmente sentarmo-nos à beira do rio, observando as águas passarem...