sexta-feira, 1 de junho de 2018



Quero-te


Quero-te
Com todas minhas forças
Com toda minha alma
Quero-te...
Quero
Dar-lhe meu carinho.
Envolver você em meus braços.
Com você
Esqueço o mundo
Tudo desaparece em
Doce nuvem azul
Toda a mendacidade
Submerge e se esvai.
Mas, isto só acontece
Quando estou com voce
Quando somos
Ser único.
Isto acontece só
Quando vibramos uníssonos
Só eu e você
Você e eu
E algo mais
O amor...

Piracicaba, 7 de agosto de 1971

quarta-feira, 30 de maio de 2018



MAFLA

Há muito houve uma pessoa que era conhecido como Mafla. Seu nome real em nada importa, que permaneça perdido na obscuridade,  mas o importante foi seu legado em sua breve existência, se destrutivo para ele, espetacularmente edificante para aqueles que o conheceram.

        Mafla era apelas Mafla, simplesmente My Flower. Pessoa como quase todas as outras, tinha uma diferença fundamental: era a personificação material do amor.

        Sua visão sobre os sentimentos era diferente de todos: não sabia ficar sem amar. Amava a todos e a tudo. Onde se aproximasse, tal qual Midas, fazia explodir o bem estar entre ele e quem quer que fosse, e até mesmo entre duas ou mais pessoas. Florescia então o sentimento construtivo, o bom relacionamento, o desejo de estar sempre com a mesma pessoa ao lado, de um alegrar ao outro, de um satisfazer ao outro, de se complementarem, fosse do mesmo ou do sexo diferente. 

        Este era o toque mágico de Midas que Mafla possuía, o do bem estar, do amor completo, acima das convenções morais e sociais da época, sem que houvessem restrições de quem quer que fosse, com total liberdade de ação e expressão.



        Mas infelizmente, este sentimento era passageiro, e logo se esvaia, apenas permanecendo depois a sensação de nulidade, um vazio infindável, um abismo de solidão que envolvia o relacionamento...

        Um raro material chegou até minhas, mãos, uma carta que tomei a liberdade de anexar a estas considerações, mero relance de seu existir...

<> 

Piracicaba, 20 de junho de 1971
        Ola V....

Hoje, já de manhã senti que deveria conversar com alguém, tentei falar comigo mesmo mas vejo que de nada adiantou, que bosta de vida, e puta que pariu os outros, porque devemos dar tanto da gente, porque as vezes somos um coração de BOLBULINA na vida, deveríamos ser nojentos e mesquinhos pois talvez não sofreríamos, porque temos de ter em mente os outros, e justamente aquelas pessoas que nem sabem retribuir o que necessitamos.

V..., apelei para você minhas mágoas pois você é um excelente travesseiro, pelo menos escuta e diz que tudo o que penso é legal. Ah, que vontade de sair por aí amando a todos, meu Deus, quantas bocas ainda falta eu beijar, quantos braços falta a gente abraçar, acho que nem cheguei aos 1.000 ainda, somos uma população tão grande, será que existe alguém igual a mim, ou será só eu um vendedor ambulante de carinhos e amor?

SEMPE É BOM TEMOS CONSCIÊNCIA QUE DENTRO DE NÓS HÁ UM ALGUÉM QUE TUDO SABE. My God, quem será esse alguem que não quer se comunicar comigo, porque? Sou de um coração tão grande, porque eh? É a fossa se comunicar e se esfolar, é uma merda saber dar, é um troço se masturbar mentalmente quando admiramos as coisas lindas, aquelas que perguntamos a nós mesmos se toparíamos nem que fosse por alguns segundos quaisquer. AH, quantas coisas lindas vemos por dia, quando me masturbo por dia, como eu amo demais por dia, sabe, chego a pensar que sofro de tesão ou mesmo sexo maníaco, mas não é não é somente falta do calor humanos que sinto por minha caloria que ultrapassa todo este povo mesquinho que só pensa em desgraça, e neste fim de poema, é que me expresso sem dor, por favor me compreenda, só quero amor, mais amor...

<> 

Houve um tempo que Mafla se superou... mas chegou uma hora que cedeu ao seu desespero obscuro...

De tanto dar e receber amor, de tanto oscilar entre a satisfação e o desespero, de tanto ver desmoronar o mundo ao seu lado, também acabou finalmente por ruir...

Numa noite obscura...

Um revolver saído do nada...

O frio metal encostado na cabeça...

Um último adeus ao mundo...

Uma língua de fogo saindo do cano... 

Um projétil esfacelando crânio e cérebro...

E assim Mafla foi repousar na eternidade...

MAFLA [1]


Há muito tempo que você se foi. Já se passaram mais de trinta anos, e o modo que escolheu para desistir de tudo chocou a todos com quem convivia, deixando um vazio incomensurável. Depois que nos abandonou, ninguém mais conseguiu ocupar seu lugar da mesma forma e intensidade no grupo, nem por um instante que fosse. Foi também o início do final de uma pequena confraria de “elefantes” [3], que lentamente se dispersou buscando acrescentar outras realidades e valores existenciais a fim de justificarem a essência do ser, existir e viver no dia a dia e no porvir.

Seu nome de batismo já não mais interessa e nem teria o mínimo significado ser rememorado. Está disperso no infinito e perdido dentro do esquecimento da eternidade, e assim deve permanecer. O realmente importante que deixou indelevelmente marcado a ferro e fogo dentro de cada um de nós, foi a lembrança de além de ser uma pessoa quase como nós, com seus altos e baixos, sempre estava preocupada em auxiliar a quem quer que fosse. Era muito mais do que um bom samaritano. Doava-se ao limite da própria realidade, chegando até às raias da fantasia. Onde sua pessoa se fizesse necessária, aí estava, com um ombro amigo para aparar as lágrimas de dor que escorriam dos olhos de seu próximo, e até mesmo, de desconhecidos.

Seu coração não tinha restrições e preconceitos, sua bondade e compreensão estendiam-se além do limite do lógico, sempre amparando aos necessitados. Suas mãos, com os finos e longos dedos mágicos, mergulhavam nos cabelos revoltos destes desvalidos, seguravam sua cabeça enquanto seus lábios sussurravam palavras taumatúrgicas ao ouvido, e do rosto congesto pela dor e desespero, víamos o milagre da metamorfose que se processava. Se havia lágrimas de dor e sofrimento, estas simplesmente desapareciam. Se era o ódio que transparecia, o rosto serenava, e a paz interior retornava. As vítimas eram levadas ao um êxtase indescritível, e a alma torturada sucumbia ao enlevo que se seguia. 

Mas algumas vezes isto ainda não era o suficiente. O efeito do encantamento não se corporificava. Havia a necessidade de algo mais do que o mágico toque de Midas. E então víamos, em esforço supremo, doar o próprio corpo na relação sexual avassaladora que ambos se envolviam de súbito, tal qual atração entre polos opostos. Em um breve instante, inesperadamente as vestimentas simplesmente esvoaçavam em alucinada dança, como que arrancadas dos protagonistas. Em um piscar de olhos, tínhamos dois corpos nus que se entrelaçavam. Estivessem onde estivessem, os dois seres existentes, quase de imediato se fundiam em apenas um. Havia uma total harmonia e simbiose, um absorvendo ao outro em sua totalidade, fundindo-se em uma única criatura. Dos corpos ávidos pelo encontro, apenas uma única massa permanecia. Não havia mais duas pessoas, simplesmente um único ente, um andrógino. Impossível também de definir se era andros, gynos ou androgynus.[4] Era uma nova criatura que se complementava em todos os aspectos. Era uma explosão que simplesmente, não se entendia dentro da lógica, mas tinha de ser observada e apreendida dentro de toda a singeleza e beleza que se expunha, sem nenhum contexto de malícia ou moralidade, um misto da total exposição de parte física e da imaterial, era algo transcendental que ultrapassava a cognição humana, juntamente com o afeto e a volição. 

Da união carnal gerada e consumada e do orgasmo que acabava por explodir com os dois corpos, víamos então raiar dois novos seres, diferentes do que existiam anteriormente, totalmente lavados de seus pecados, de suas culpas, purificados pela benção da satisfação mútua, do entendimento total e comunhão transcendental, expiados de qualquer manifestação de ressentimento, ódio, dolo ou revolta, totalmente lavados no corpo e alma e isentos de qualquer mácula. Era um total renascer, físico e espiritual.

Esta foi sua senda e saga na breve passagem por esta existência. Mas toda a magia do processo em que a pessoa estava mergulhada era algo que estava além de suas tênues forças humanas. O peso que era submetido decorrente dos sucessivos auxílios o levava cada vez mais à introspecção de seu desenvolvimento e questionamento de seu crescimento interior, de sua pessoa como humana mortal que era, e a consequente depressão. Mas não conseguia suspender com suas atividades. A sensação gerada de deusificação era por demais potente e inebriante, juntamente com a satisfação do próprio bem estar que levava ao próximo. E todo o global deste contexto se impunha inclusive acima de sua própria existência.

Ao início foi uma insônia, frugal ao início, e que evoluiu rapidamente para algo rebelde, em que via o nascer e o por do sol. Sentia a crescente necessidade de um lenitivo. Escolheu o primeiro bálsamo: o álcool. Pequenas doses ao início, que foram progressivamente aumentando. Era o que aliviava as dores físicas que explodiam em seu corpo e psicológicas que transbordavam de sua mente.
Mas o processo era um contínuo crescer. A atividade tornou-se totalmente primária, fazendo com quaisquer outros compromissos fossem relegados a um segundo plano. Assim afastou-se da escola. E isto foi mais um incentivo para se aumentar o lenitivo. O outro foi indubitavelmente o afastamento de sua namorada, que tinha negros presságios no futuro e não aceitava sua imolação. Mas mesmo assim não conseguia suspender sua atuação. Desejava colocar um freio nelas, mas a impulsão que tinha sobrepujava inclusive o valor de sua própria integridade física e mental.

Se de um lado ocorria a sensação de endeusamento, de outro a sua situação familiar foi deteriorando, com as condutas que assumia. Não aceitavam seus genitores o sacrifício que observavam aumentar dia a dia. Mas impotentes, viam o processo de sua integridade em contínua e acelerada desagregação e degeneração.

Todas as tentativas para afastar este sacerdócio de auxílio ao próximo foram coroadas de insucesso e total fracasso. Mesmo reconhecendo a importância social de suas atividades, não as conseguia coadunar com sua vida particular.

O emprego foi sua última perda. Veio de modo explosivo. Agora nesta condição, ninguém mais queria fornecer o auxilio que endossava suas atividades paranormais. Dentro do desespero que esporadicamente lhe envolvia, não encontrava sua pessoa nenhum regaço para apoiar sua cabeça e assim ser o berço que amenizaria suas dores e sofrimentos. 

O primeiro lenitivo não mais produzia os efeitos necessários, havendo necessidade do uso de substâncias mais fortes para acalentar sua paz interior. Era o único conforto para suas ambivalências, aflições e tempestades psicológicas.

De súbito, passou esta pessoa a verdadeira condição de pária social. Mas, mesmo assim permaneceu presenteando aos que lhe procuravam com o auxílio requisitado. Isto também ajudava a mitigar seus sofrimentos. 

Envelheceu de súbito. As rugas avançaram pelo rosto e corpo. Os músculos ficaram flácidos, As pálpebras caíram. Olheiras eram o habitual de seu rosto. As costas arquearam. As pernas fraquejaram. Olhava-se no espelho e não mais se reconhecia. Era uma pessoa velha. E assim juventude escapou-lhe entre os dedos em seus plenos 20 anos.

A dor e o sofrimento agora começaram a superar sua capacidade de absorção e elaboração. Sentiu que sua capacidade transcendental também começava a fraquejar e mostrava-se mais fraca.

Um revolver brotou do nada.

Uma detonação e um projétil explodindo sua cabeça foi o paliativo final encontrado, que finalmente colocou fim a toda suas angústias, dores e sofrimentos.

Se foi o esteio de muitos nas horas difíceis, sua pessoa pouco foi compreendida e em nada recompensada. Apenas foi esquecida e abandonada por todos aqueles a quem estendeu a mão. De todos os fatos que ocorreram, apenas uma pequena lápide perdida na necrópole acusa sua passagem terreal. 

Portanto, não pergunte por quem dobram os sinos. Mas, cada vez que os ouvir tinindo, recorde-se apenas de alguém chamado de Mafla, (My Flower) se doou totalmente e nos abandonou ainda em pleno desabrochar da existência, vítima da voracidade oriunda da própria sociedade.

E então apenas rezem um Pai Nosso em sua memória. É muito mais do que recebeu em toda sua existência. E é um compromisso que todos devem ter pelo menos, pelos muitos Mafla da vida que se doaram e se ainda se doam por uma causa que tem plena convicção de ser justa e correta, e depois são relegados ao ostracismo da ignorância e do esquecimento.

Que Deus lhe acolha e dê a devida paz e repouso.

Requiescant in pace.

Apêndice:
Afeto:- afinidade, ligação espiritual terna em relação a alguém ou a algo.
Andrógino:- ver nota de rodapé.
Bálsamo:- na medicina caseira, infusão de plantas narcóticas em óleo, com que se friccionam regiões doloridas do corpo, medicação.
Cognição:- conjunto de unidades de saber da consciência que se baseiam em experiências sensoriais, representações, pensamentos e lembranças.
Elaboração:- construção do pensamento que utiliza dados ou elementos para fins conceituais; composição, preparação.
Enlevo:- ato ou efeito de enlevar; enlevação, enlevamento, sensação de êxtase, arroubo, deleite.
Êxtase:- estado de quem se encontra como que transportado para fora de si e do mundo sensível, por efeito de exaltação mística ou de sentimentos muito intensos de alegria, prazer, admiração, temor reverente etc.
Imolação:- ato de sacrificar-se, renúncia, abnegação.
Indelével:- que é durável, permanente, que não se pode destruir, suprimir ou fazer desaparecer totalmente.
Introspecção:- reflexão que a pessoa faz sobre o que ocorre no seu íntimo, sobre suas experiências. Observação e descrição do conteúdo (pensamentos, sentimentos) da própria mente.
Metamorfose:- mudança completa de forma, natureza ou de estrutura; transformação, transmutação.
Mitigar:- tornar(-se) mais brando, mais suave, menos intenso (geralmente dor, sofrimento etc.); aliviar, suavizar, aplacar.
Pária:- pessoa mantida à margem da sociedade ou excluída do convívio social.
Saga:- nome dado pelos romanos às bruxas e feiticeiras, por extensão: efeito inexplicável e sobrenatural ocasionado pelo ato de magia.
Samaritano:- que ou aquele que é bom, caridoso, salvador.
Senda:- caminho estreito usado pelos pedestres ou pelo gado de tamanho pequeno, atalho, vereda, sendeiro.
Simbiose:- associação entre seres vivos na qual ambos são beneficiados, consortismo, associação íntima entre duas pessoas.
Taumaturgia:- arte de atrair ou de impressionar pessoas, com milagres ou atos prodigiosos.
Transcendental:- na metafísica, especialmente a neoplatônica e a escolástica, diz-se do ser ou princípio divino que, em sua perfeição e poder absolutos, está situado além da realidade sensível.
Volição:- capacidade, sobre a qual se baseia a conduta consciente, de se decidir por uma certa orientação ou certo tipo de conduta em função de motivações.


[1] Qualquer semelhança com fatos presentes ou passados não passa de mera coincidência.
[2] Olivio Nazareno Alleoni é médico aposentado, membro da Academia Piracicabana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e Clube dos Escritores. Obras publicadas: Uma Fresta para o Passado, Lar dos Velhinhos de Piracicaba: 100 anos, Cururu em Piracicaba, Teatro Municipal de Piracicaba: 30 anos. Consulte também www.oalleoni.blogspot.com, www.memorial-piracicaba.blogspot.com, www.youtube.com (procurar por oalleoni)
[3] Conceitua-se de “elefantes” àquelas pessoas onde não existe o limite, o pecado e a culpa. A única fronteira que respeitam é o direito e liberdade do próximo, desde que a mesma não interfira intensamente com seus valores. Aceitam os fatos como eles se desenvolvem, pouco interferem em sua modificação e não se sujeitam a um controle social. Exercem suas atividades dentro do domínio lógico. O restante da população são as “formigas”, obreiras, obedientes. Seu maior prazer é levantar-se, ir ao trabalho, cumprir sua jornada, ir para casa, juntar-se com a mulher, alimentar-se e fazer filhos, além de irem à igreja aos domingos. Verdadeiras ovelhas a que tudo aceitam, contestam violentamente tudo aquilo que foge às normas habituais impostas pela sociedade ocidental machista e castradora.
[4]O andrógino é aquele(a) que tem características físicas e, em aditivo, as comportamentais de ambos os sexos. Assim sendo, torna-se difícil definir a que gênero pertence uma pessoa andrógina apenas por sua aparência.
Andrógino é, também, segundo o livro "O Banquete", de Platão, uma criatura mítica proto-humana. No livro, o comediógrafo Aristófanes descreve como haveria surgido os diferentes sexos. Havia antes três seres: Andros, Gynos e Androgynos, sendo Andros entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas, Gynos entidade feminina mas com características semelhantes, e Androgynos composto por metade masculina, metade feminina. Eles não estavam agradando os deuses, que os resolveu separar em dois, para que se tornassem menos poderosos. Seccionado Andros, originaram-se dois homens, que apesar de terem seus corpos agora separados, tinham suas almas ligadas, por isso ainda eram atraídos um por o outro. O mesmo ocorre com os outros dois. Andros deu origem aos homens homossexuais, Gynos às lésbicas e Androgynos aos heterossexuais.