sábado, 22 de novembro de 2008

FLAMENCO EM PIRACICABA

Montagem: Patrícia Veiga

Coreografia: Patrícia Veiga e Lúcia Caruso

“A chama que dança...
A dança que clama...
Por uma alma que toca...
Por uma alma que canta...
Por uma alma que sente...
Uma chama presente...
Uma chama flamenca...”

Com estas palavras, pretende-se transmitir a alma do Flamenco, mescla de ritmos espanhol, cigano e mouro, que teve origem na região de Andaluzia, sul da Espanha.
O flamenco envolve ritmo quente e envolvente, a dança com seus trejeitos sedutores e sensuais. A voz aveludada, acompanhada com a guitarra (violão flamenco) e percussão, juntamente associados com o sapateado, o ressoar das castanholas e o bater repetitivo das palmas complementam o clima mágico que se instala no palco. A isto tudo associe-se ainda as cores “quentes” que emergem dos holofotes e o guarda-roupa impecável que se faz necessário para uma apresentação deste nível.
Jussara Sansigolo traz ao palco um espetáculo magnífico, com o nome de “Recuerdos”.
O Ballet Jussara Sansigolo assumiu a responsabilidade de reunir uma antiga equipe que era coordenada anteriormente por Lúcia Caruso, e fazer renascer o antigo ritmo e deu à Piracicaba um espetáculo impar.

Um show digno de ser visto em todos os sentidos.
Os mais sinceros parabéns à iniciativa louvável de Jussara Sansigolo e o agradecimento que não se deve nem pode se calar sob hipótese alguma à Patrícia Veiga, que tanto tem se dedicado ao Famenco, que não tem popupado esforços que assina a montagem desta apresentação. Também não podemos deixar de citar que a coreografia do espetáculo, que se apresenta ímpar, é assinada por Patrícia Veiga e Lúcia Caruso.
O mais sincero muito obrigado todos os citados e ao corpo de baile:
Alessandra Ferrisse
Aleteia Cassano
Aline Gonçalves Esteves
Amanda Piacentini
Ananda Sabbag Domingos
Andreia Schiavon
Anderson Alves
Claudia Carias
Cristiane Ap. Bonato
Débora Ferreira dos Santos
Gabriella F. Campestrini
Jonatas Camolesi
Lélia S. Ferrari Vessani
Luciana Martim Miotto
Marcia Veiga
Maria Candida Rolim
Mariana Dedini
Mônica Salim
Maria Renata Leite Ribeiro
Nicoli Ayres
Yolanda Ruys Leite
Patricia Fernandes
Patricia Veiga
Renata Shiavon Michelin
Rosely Ap. Gonçalves
Simone Lucanno
Tatiana Oliveira P. Pontes
Thais Priscila Sousa e Silva
Thais M. Vieira
Vanessa Torres
Vivian Ferrari de Goes
Viviani Medinilla
e a todos os outras pessoas que direta ou indiretamente colaboraram para a montagem e apresentação deste espetáculo.


Flamenco pelo Ballet Jussara Sansigolo

terça-feira, 18 de novembro de 2008

CURURU EM PIRACICABA








Craveiro e Cravinho saudando os cururueiros e cantando o Hino de Piracicaba
(Veja mais filmes no final do texto.)




Excertos do livro com o mesmo título publicado em 2006 por Olivio N. Alleoni

Sumário
Prefácio.
Dedicatória.
Meu muito obrigado.
Nota do autor.

Capítulo I O Cururu e Similares:
Conceito.
Origens remotas.
Quem o executa.
Onde e porque ocorre.
Quando e como o cururu é executado.
Fases de cururu.
Carreira no cururu.
O cururu antigo.
Como acontece o cururu.
A música no cururu.
Construção do verso.
A evolução da disseminação das músicas populares.
Colheita e trabalho com as informações.

Capítulo II Nhô Serra visto:
Pelo filho.
Pela esposa.
Pela irmã.
Por Geraldo Barros.
Por Craveiro e Cravinho.
O homem e sua comunicação.

Capítulo III Outros repentistas contemporâneos:
Pedro Chiquito.
Parafuso.

Capítulo IV Histórias fantasiosas de cururueiros:
Antonio Pedro Macedo.
Francisco Fornaziero.
Abel Bueno.
Laurindo Morato.
Oscar Francisco da Silva Bueno.
Horácio Neto.
Luizinho Rosa.
Craveiro e Cravinho.
Mandi e Sorocabinha.

Capítulo V
As normas rudimentares do linguajar caipira.
Bibliografia.
Notas.

Capítulo I

Conceito
Cururu, também denominado de cantar repentista, é uma forma de cântico onde atualmente duas duplas de cantores seguidos de uma ou duas violas, expressam uma série de fatos cantando alternadamente em forma de versos rimados. Também foi denominado de embate poético. Acrescentaríamos a isto também a conceituação de comunicação musical.
Os fatos veiculados são extremamente variáveis. Podem elogiar ou criticar pessoas, locais, acontecimentos, fazendo colocação burlesca ou rude. Podem narrar fatos religiosos ou carrear dentro de si o sentimento de ufanar-se sobre algo, independentemente do fato ser verídico ou imaginário E não deixa de existir neles o aspecto de contenda. Tudo depende da capacidade de comunicação de cada cantor.
Os versos possuem conteúdo de indiscutível experiência, fruto da leitura, da observação, da imaginação, expressos com seriedade, ironia e até deboche.
No cururu ainda se contam histórias e estórias, algumas com embasamento verídico, enquanto outras revelam todos os requintes de desvairadas fantasias. Cada espetáculo é único. O assunto pode ser o mesmo, mas as palavras e a expressividade nunca são. O que é cantado é fruto da exuberante imaginação de quem expõe. Os fatos situam-se numa área nebulosa, onde a realidade mescla-se com a fantasia e eventualmente até com o próprio misticismo.

Origens remotas
Delimitar as origens do cururu é difícil. Provavelmente estaria relacionado nas suas raízes mais remotas com o próprio trovadorismo..
Em Portugal, a canção acompanhada com música já era conhecida no século XIII e denominada de cantiga . No século XVII, foi chamada de “poesia cantada”, formada de redondilhas ou de versos menores, divididas em estrofes iguais, com andamento melancólico. Estas formas musicais eram restritas mais à classe de nobres, sendo praticamente inexistente entre os serviçais.
Cabe lembrar em Portugal a existência de gênero musical com canto de desafio e improviso, que era executado até que se proclamasse o vencedor.
Cogita-se que este tipo de versejar tenha sido trazido pelos jesuítas para o Brasil, sofrido adaptações e sido usado como forma de catequização dos índios. (São Paulo, Terra e Povo, de Carlos Penteado Rezende).
Somos levados a crer que sua formação tenha ocorrido na região do atual Estado de São Paulo, e a sua disseminação feita pelos bandeirantes, nos séculos XVII e XVIII.
Posteriormente, foram os tropeiros e monçoeiros que vieram a sedimentar sua difusão para Mato Grosso, Paraná e Minas Gerais.
A realidade é que a disseminação e a fixação destes ritmos populares confundem-se com a própria fase da conquista e consolidação da região centro-oeste e sudeste do Brasil.

Quem o executa
O cururu têm por origem pessoas simples, geralmente oriundas de área rural e com baixo nível de escolaridade, quando não totalmente ausente. Raras são as exceções. Isto foi o que ocorreu durante a primeira metade do século XX, quando a grande maioria dos cantar tinha origem rural. Hoje a grande maioria dos cantores mora nas cidades. Possuem o dom da palavra, da rima e da métrica.

Onde e porque ocorre
O cururu é um fenômeno que tem cunho e lastro rurais e caipiras. É uma manifestação ainda observada na região denominada por alguns por Vale do Médio Tietê. Esta região engloba uma série de municípios, na bacia do rio Tietê, entre a região de Pirapora a Barra Bonita. Engloba também a área de seus afluentes.
Os municípios envolvidos são os de Piracicaba, Anhembi, Conchas, Laranjal Paulista, Saltinho, Rio das Pedras, Santa Bárbara d’Oeste, Capivari, Elias Fausto, Mombuca, Rafard, Tietê, Cerquilho, Cesário Lange, Pereiras, Porangaba, Bofete, Botucatu, Tatuí, Boituva, Porto Feliz, Sorocaba, Votorantim, Itú e adjacências.
A provável causa da origem e permanência desta manifestação nesta área é complexa. Nas raízes mais remotas, está o fato de ser o rio Tietê a porta de entrada para a região centro oeste, e inclusive região sul, desde a fase expansionista da colonização. Na fase recente, deve-se ao fato de ser ela na primeira metade do século XX, predominantemente agrícola, e relativamente isolada da influência da metrópole.
A isto ainda devemos acrescentar que esta região se comportava como “ilhota cultural”, com seu baixo nível de escolaridade existente nesta época. Isto de certa forma acalentava a transmissão verbal dos conhecimentos.
Apesar de a Primeira República ter acabado na década de 1930, a política “café com leite” ainda permaneceu com resquícios nesta região até a década de 60. Havia certa estagnação no mercado de trabalho. Não havia desenvolvimento florescente.
A malha ferroviária não a atingia com a plenitude de seus objetivos. Esta região estava mais sob a influência da Sorocabana (antiga Ituana), enquanto que as cidades de Campinas, Limeira, Rio Claro, que constituíam o acesso à região noroeste, estavam sob a influência da Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Piracicaba possuía apenas um ramal da Paulista. O mesmo acontecia com a malha rodoviária. Isto, de uma forma ou outra, acarretava menor desenvolvimento.
O que existia e ainda existe neste território é uma fértil malha hídrica, onde nunca foi desenvolvida a contento a navegação fluvial.
A conseqüência foi que a região de Piracicaba transformou-se mais lentamente em seus costumes e tradições. Conservou-se singular no seu caipirismo, inclusive mantendo até linguajar próprio, que é praticamente uma característica exclusiva desta área. O mesmo ocorreu com a região de Tietê e Sorocaba, e porque não dizer, no Vale do Médio Tietê.

Quando e como o cururu é executado
O cururu no final do século XIX e primeira metade do século XX era uma das etapas de uma série de festas. Era executado nas religiosas (como festa de São Benedito, Santo Antônio, festas juninas), nas festas particulares (aniversários, casamentos). Era uma forma de diversão executada na área rural.
No início do século XX, Cornélio Pires conseguiu fazer com que ela tornasse-se mais conhecida, e então começou sua popularização na área urbana, Na década de 1950 e 1960 era executado nas rádios e dentro dos comícios.

Fases do cururu
Cururu é “um embate poético”, apenas o cantor e a viola. Qualquer coisa a mais o desfigura como cururu. Apenas o som da viola deve estar presente, e nada mais. E, claro, o cantor deve estar com voz ajustada, harmônica com a musicalidade. Não deve haver sons desafinados. Antigamente, costumava-se utilizar reco-reco e o tambú, que hoje estão praticamente abandonados.
O cururu apresenta algumas fases bem específicas. A primeira delas é o de se “pedir licença”. Isto é feito apenas uma vez, pelo primeiro cantor. Os outros não a repetem.
Depois vem a introdução, a louvação, a aparteação.
A introdução é a concatenação entre o cantador e a viola. Cada um tem a sua própria entrada. É uma música de começo, habitualmente sem letras, apenas com o som. É também denominada de baixão.
A louvação pode ser sobre o santo e também deve ser sobre o público. Cada cantor a executa uma única vez. Depois vem a aparteação, onde cada cantor esmera-se nas melhores colocações, nas piadas satíricas, nas críticas, e todos os demais assuntos que eventualmente venham a se desenvolver. Esta é a parte mais interessante do cururu, porque aí é que cada cantor demonstra sua capacidade de improvisação, e de como fazer as melhores colocações sobre o que seu antecessor cantou.
A última fase é a carreira do dia, onde eles se despedem da platéia.

Carreira no cururu
Todo o cururu deve ter sua rima, também denominado de carreira. É a carreira do A (a), do sagrado (ado), do ano (ano), do presumido (ido), do divino (ino), de São João (ão), carreira do Navio (o), temos também a carreira do Pai Eterno (erno), da cinza (iza), de Santa Rita (ita), do Divino Amante (ante), do S, de São Roque, São Bento, São Benedito, Santa Catarina, Santa Teresa e muitas outras....
Antigamente a carreira era colocada pelo “pedestre”. Todos os cantadores tinham de seguir a carreira imposta por ele. Agora comumente, quem faz a colocação da carreira é o primeiro cantor.
A última carreira a ser cantada é a Carreira do Dia, quando se faz novamente a consagração ao altar, ao santo, ao povo.

O cururu antigo
O cururu antigo, também denominado de cururu de roda era o inicialmente executado. Reunia um número não específico de pessoas, onde andavam em círculo, seguindo o violeiro, que ia à frente. Quem quisesse, poderia cantar. Os outros indivíduos ficavam observando.
Atualmente no cururu cantam 4 pessoas, formando dois pares. Estão presentes uma ou duas violas.

Como acontece o cururu
Há o hábito de sempre colocar juntos cantadores antagônicos. São as duplas de “cidade contra cidade”, de brancos contra negros ou outras.
O cururu de branco versus negros não se observa mais hoje, por ser considerado fato fazendo apologia ao segregacionismo, o que é crime.
Devemos nos lembrar que o palco de desenvolvimento do cururu é uma verdadeira arena, onde os mais diversos recursos são utilizados. A afronta que os cantadores manifestam entre si permanece exclusivamente durante a apresentação do espetáculo. Após ela terminar, a amizade que existia entre os seus elementos permanece a mesma. E esta troca de injúrias tem como fundamento comparações pessoais às vezes nada elogiosas, às fraquezas individuais, sociais, urbanas.
Vamos rememorar que Pedro Chiquito e Parafuso eram negros e Nhô Serra descendente de caboclo. E apesar das mútuas agressões verbais no palco a amizade entre estes elementos durou até o desenlace deles.
Enfim, são cantores digladiando-se com rimas com o objetivo de um ou o grupo ser o vencedor. E este é quem conseguir fazer uma colocação, sem ofender moralmente ao adversário, onde não haja resposta adequada.

A Música no cururu
A música no cururu é fornecida por uma ou duas violas. Antigamente tínhamos a presença de um tambú e de um reco-reco. Não era raro Pedro Chiquito usar pandeiro. Mas isto é exceção.
O número de acordes da viola é pequeno, geralmente dois ou três. A melodia é executada pelo cantor.

Construção do verso
Parece existir alguma similaridade entre os versos cantados pelos cururueiros de hoje e a forma de construção destes versos antigos.
De modo geral são versos octassílabos, com rima entre a primeira e última estrofe. (A-B-C-A). Também pode ocorrer rima entre a 1ª, 3ª e 5ª estrofes (A-B-A-B-A) ou entre as 2ª, 4ª e 6ª estrofes. (B-A-C-A-D-A).
Existe também a rima dobrada, quando ocorre a situação de rima (A-B-B-A), ou (A-B-A-B-A) ou (B-A-C-A-D-A), onde B, C e D podem ser iguais.
A evolução da disseminação das músicas populares
Nos fins do século XIX, as notícias eram veiculadas por jornais, que não eram acessíveis a todas as pessoas. A distribuição era pequena. E os valores não os tornavam acessíveis a todos. Vamos relembrar que o índice de analfabetismo da primeira metade do século XX era extremamente alto e nem todos conseguiam lê-los.
Segundo Zico Moreira , na década de 1920 o cururu era executado nas festas religiosas. Os cantadores eram convidados a ir a determinado lugar. Iam para lá a pé ou a cavalo. Cantavam a noite toda e retornavam pela manhã. Habitualmente não eram remunerados por suas atividades.
O cururu era um meio de diversão e de se veicular notícias na primeira metade do século XX. A expressão musical popular da época era justamente a música caipira.
As rádios no interior paulista só começaram a ser instaladas na década de 1930-1940. A radiodifusão foi uma das formas de se começar a transpor os problemas de comunicação, mas os rádios eram objetos caros, dependentes de eletricidade e inacessíveis à grande maioria da população. Poderíamos falar que começou a tornar-se popular na década de 60, com o transistor.
Na década de 50 o cururu começou a sair da área rural e estabelecer-se nas rádios. No início os programas eram ao vivo, e depois gravados.
Com os meios de comunicação mais aprimorados e a presença da televisão, que se instalaram na década de 60, as antigas modas de viola foram tomando outras características, com quase verdadeiro abandono às formas de origem. Também contribuiu significativamente para isto, entre outros motivos, o êxodo rural e a introdução de novos valores musicais, importados de outros países.
Nas décadas de 60 e 70, inclusive na de 80, a música caipira continuou a se modificar, tendo sofrido uma verdadeira explosão do número de intérpretes, bem como ocorrendo mudanças radicais na forma de apresentação que quase a descaracterizou totalmente. Mas, felizmente, algumas raízes permanecem quase intactas, restritas a algumas regiões específicas, como o vale do Médio Tietê.

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Sebastião da Silva Bueno (1928 1997) - (Nhô Serra)

Se supusermos a influência de Nhô Serra manifestando-se somente durante sua existência estamos errados. Superando a própria morte, provavelmente estendeu suas raízes para a posteridade. Assim é que, em novembro de 2003, sua música Riacho da Saudade foi classificada em 2O lugar no Festival de Música Caipira Viola de Todos os Tempos realizada pelo EPTV. E não poderíamos deixar de anexar a letra deste poema, que fala do âmago de cada pessoa:

“Oh! Riacho da saudade, hoje vim te visitá
Depois de 40 anos andando de lá para cá.
Hoje já tornei voltá
Achei tudo diferente não encontrei mais ninguém
Deu vontade de chorá.
Não vi as árvore das pomba e as pomba revoá
Não vi o véio ingazeiro nem vi o cambará
E a casa de meus pai, meus avô
Onde é que tá?
Só vejo cana plantada pra tudo que é lugá.
Oh! Riacho da saudade, nóis temo que lamentá
Já vi que nosso destino neste mundo é quase iguá.
Suas águas se acabando poluídas como tá
E eu véio e doente, que nem posso mais andá.
Mas agora já te vi chorando quero partir,
Tristonho vou te deixá
Vou subir na cachoeira e lá riba quero chorá.
Com as água dos meu óio
Vou fazer tua água aumentá
E aí por um momento vou ouvir seu chuá, chuá
Oh! Riacho da saudade, ocê não tome por má
Porque agora eu vou m’imbora, tenho que me retirá
Mas uma coisa eu te confesso, você queira desculpá,
Em você véio riacho nunca mais quero voltá”.
Estas letras trazem de nosso âmago todas as mais nostálgicas lembranças, e mais do que nunca nos obrigam a encarar a dura realidade da perenidade do homem. Não poderia deixar de anexar neste livro as linhas escritas pelo jornalista Cecílio Elias Netto em relação a esta música, que vai na íntegra.

Saudade de um riacho
Cecílio Elias Netto


Quando Fernando Pessoa nos revelou que “pensar é estar doente dos olhos”, nunca imaginei que “ouvir é ficar doente do coração”. Ouvindo “Riacho da Saudade”, fiquei ainda mais com saudade de um riacho e, então, adoeci no coração. Pois, pelos ouvidos, nas letras de Nhô Serra e na música de Douglas Simões – a saudade se ampliou. Abarcando tempo e espaço, rimando melancolia com nostalgia. Fiquei com saudade de mim, o menino à beira do rio Piracicaba, os mergulhos do trampolim na certeza de que, de braços abertos, meu pai me esperava para acolher-me. Saudade de, entre receoso e maravilhado, caminhar quase ao lado de “Nhô Lica” , vendo-o recolher pedras, diamantes brutos que ele burilava com sonhos.
Não sei mais se esse poema musicado é um riacho da saudade ou toda a saudade de um riacho, que Nhô Serra e Douglas Simões atiçam e aguçam, como se quisessem cravar-nos de espinhos a alma. Fica um riacho da saudade, um riacho de lágrimas, de algo cristalino e agridoce que viaja do coração aos olhos, escorrendo pelas faces, tornando-se néctar na boca. E, então, descobre-se que os céus inspiraram aquele que, tentando definir a palavra saudade, conseguiu dizer do sentimento que parece já nascer com os corações “vontade de outra vez”.
Este riacho da saudade Fernando Pessoa o conheceu ao simplesmente olhar o seu Tejo amado. E perguntou-se: ”Que é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver?” Ele, pensando, ficou doente dos olhos. Mas se ouvisse este nosso “Riacho da Saudade” não haveria de pensar. Apenas teria saudades. E choraria. Como aconteceu comigo. E outra seria a pergunta, ao Douglas Simões, que consegue trazer Nhô Serra da nuvem onde repousa, aquela que Neruda já fez: “Onde termina o arco-íris, em tua alma ou no horizonte”?
Na saudade de um riacho, descubro que o arco-íris termina no “Riacho da Saudade”, nas almas de Douglas e Serra, em comunhão. Fico, então, com vontade de outra vez.
Piracicaba, 12 de março de 2004.

Notas
Trecho da cantiga “A Bela Infanta “ Romance do Século XV
Estava a bela infanta
no seu jardim assentada,
com o pented'ouro fino
seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
viu vir uma nobre armada
Capitão que nela vinha
Mui bem que a governava.
(www.terravista.pt/ilhadomel/1899/bibblioteca.htlm) em 01.2004.

REDONDILHA: estrofe de quatro versos, rimando o primeiro com o último e o segundo com o terceiro (esquema abba)
Sobre os rios que vão
por Babilônia m' achei,
onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Sobre os rios que vão
(Luís de Camões, RIMAS poesia lírica)
(www.terravista.pt/) em 01 2004
Houve três pilastras que constituíram a base estrutural das raízes de ritmos e ritos, que é um dos fundamentos da nossa cultura.
A primeira foi a religiosidade européia renascentista, com seus poderes , repressiva e com seus conceitos ferrenhos (acobertando entre outros, os interesses do velho continente).
A segunda foi a herança verbal, a musicalidade, a sensualidade e misticismo negro (e de outros povos).
A terceira foi os valores existenciais mais elementares, a inocência e sorumbatismo dos índios (que até faziam os europeus desconsiderem estas pessoas como humanos) .
Com base nestas apreciações podemos ver assentadas as raízes da musicalidade genuinamente brasileira. Conforme a predominância de uma ou outra origem, bem como a intensidade dos costumes regionais, é que tivemos o desenvolvimento dos mais diversos ritmos musicais, podendo estar ou não associados com danças.

Zico Moreira, cururueiro nascido em Tietê em 1902, que viveu na área de Piracicaba e faleceu em 2002 em Anhumas.

Nhô Lica: personagem incorporado ao folclore de Piracicaba, famoso por recolher pedras, que considerava como diamantes, e as levar aos mais diversos lugares para serem guardadas. Eram os famosos diamantes de Nhô Lica, depositados nas mais diversas casas comerciais de Piracicaba, e inclusive também em estabelecimentos bancários.


Vídeos associados
(em construção)





Moacir Siqueira saudando o público e o altar.


Havia antigamente um alto vínculo entre o cururu e as festas religiosas. Então era comum muitas vezes haver um altar montado, com os santos da época, e após a saudação do público, também eram saudados os santos correspondentes.
Moacir Siqueira gentilmente fez em 2004 uma apresentação particular, mostrando como eram feitas estas saudações antigamente.









João Mazzero imitando Antonio Candido (Parafuso).

Antonio Cândido, conhecido pelo nome artístico de Parafuso era filho de Felício Cândido e de Lázara Cândido.
Nascido em 19 de fevereiro de 1920 no Distrito de Recreio, município de Piracicaba, começou a cantar cururu com seus 18 anos, e assim foi por toda a vida.
Casou-se por 3 vezes e teve 22 filhos.
Trabalhou no Engenho Central de Piracicaba e foi onde se aposentou.
Além de cantor de cururu, Parafuso tinha possuia grande capacidade de comunicação, inclusive conseguia manter o público atento com seus trejeitos e comicidades. Desconhece-se quantas apresentações tenha feito, mas calcula-se que o número tenha sido superior a 1.000.
Cantou em toda a região do Médio Tietê, e também fez apresentações em Rio de Juaneiro e Minas Gerais.
Parafuso faleceu em 2 de dezembro de 1973.
Sua passagem foi tão marcante em Piracicaba que, para homenagea-lo existe uma praça com o nome de Praça do Parafuso na cidade.








Horacio Neto imitando Silvio Paes.

Sílvio Paes cantava cururu em Sorocaba. Devido ao timbre agudo que tinha ao contar, também era conhecido como Voz de Araponga.
Ele gravou apenas um LP, onde ele canta contra Dito Silva.
Horácio Neto tem uma grande facilidade em fazer brotar do seu interior a afinidade que existia entre os cantadores e Parafuso. E junto com Laurindo, expressam a asusência que sentem da mirabolante personagem.




Manezinho Moreira cantando Sebastião Paes.

Entre os muitos cantadores existentes, o Manezinho Moreira tem grande facilidade em imitar as toadas dos antigos cantadores. Entre os muitos que nos apresentou, optamos por mostrar seu desempenho cantando um que há muito se foi, Sebastião Paes.




Laurindo Morato e Horácio Neto


Laurindo Morato, também conhecido por Laurindo Saudade, nascido em 1939 começou a tocar viola em 1954. No início, acompanhava seu pai nas apresentações. Ele era "palmeiro", tocava viola, cavaquinho, pandeiro nas festas.
Nascido em Dois Córregos, perto de Jaú, mudou-se para Americana e depois Piracicaba.
Na década de 60 c0nheceu o Nhô Serra, e começaram a tocar na Rádio Difusora de Piracicaba. E acompanhou o Serra (Sebastião da Silva Bueno) até seus últimos dias.
Neste segmento de cantar, recorda-se ele dos antigos cururueiros com quem teve contato, e faz brotar de seu interior toda a saudade por aqueles que já se foram.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

TEATRO EM PIRACICABA



Piracicaba é uma cidade que há muito se prima pela produção intelectual nas mais diversas áreas. E nas artes cênicas também não deixa de ser atuante. Tem sido um berço de atores, onde diversos romperam a barreira da urbe e conseguiram destaque nacional. Relembre-se entre muitos, nomes dos que já se foram, como Lyson Gaster, Cacilda Cavaggioni, Roberto Azevedo, Antonio Carlos Kraide, José Maria Ferreira e outros.

Piracicaba possui incontáveis grupos teatrais, que vão desde os de bairro, passam pelos das faculdades, e os que atuam profissionalmente.

Destes últimos, surgiram outros atores que conseguiram romper definitivamente com barreiras, estabelecendo-se em grandes centros.

Não deixa também nossa urbe de ser relativamente privilegiada, visto contar com cinco teatros (Teatro Municipal de Piracicaba, Teatro da UNIMEP, Teatro do SESI, Teatro do SESC, Teatro São José), isto sem contar as áreas menores onde os respectivos grupos treinam. Já na década de 1850 contava a "Villa da Constituição" com um uma unidade teatral rústica. O primeiro espaço teatral significativo foi constuido na década de 1871 pelo Barão de Rezende e demolido em 1953.

Durante a Semana Santa, a Paixão de Cristo é encenada na cidade há 19 anos, contando com mais de 500 pessoas entre atores e figurantes em 10 palcos diferentes. O espaço utilizado é uma área onde funcionava um Engenho Central (de açúcar), construção da década de 1880, em plena área central da cidade, às margens do rio Piracicaba. Só no ano de 2008 foram 8 apresentações.

Também no ano de 2008 estamos no 3º Fentepira - Festival Nacional de Teatro de Piracicaba. A abertura está prevista para o dia 22 de novembro no SESI e as atrações programadas de 23 a 30 de novembro no Teatro Municipal de Piracicaba. Apresentam-se grupos de Piracicaba, São Paulo, Santo André, Jundiaí, Campinas, Pindamonhangaba, Goiânia.

Um dos atores piracicabanos, Rodrigo Polla deu de presente para Piracicaba no final de outubro quatro espetáculos diferentes, dois em um sábado (Odisséia e O jovem Werner) e dois no domingo (? e Santa Vida Profana). Todos são monólogos bastante expressionistas, onde se torna vital para o ator para envolver a platéia a mímica, expressão corporal, a entonação vocal e outras técnicas.

Odisséia fala sobre a viagem de Ulisses, Rei de Ítaca. Mediante uso de máscaras e outros recursos, ora é narrador, ora representa os lendários personagens narrados por Homero. É um verdadeiro mergulho dentro da história da mitologia grega, como os ciclopes, a deusa Circe, a deusa Calipso e outros até seu retorno com Penélope.

Em O Jovem Werter (de J. W. Goethe) aborda a temática do amor, da paixão, da frustração sentimental (uma verdadeira comunhão entre o personagem e a platéia primeiramente transmitindo a satisfação, e depois em um crescendo, a angústia e tensão) até finalmente explodir em um ápice da tranqüilidade da alma com a consumação do suicídio.

Em ?, texto sedimentado em Metamorfose e O Processo (Franz Kafka) aborda a temática da busca e justificativa existencial.

Finalmente, em Santa Vida Profana, faz enfoque e discussão dos valores humanos e da busca por si mesmo. Nesta representação magnetiza a platéia durante quase uma hora de espetáculo quase sem pronunciar nenhuma palavra. A expressão corporal e a mímica são os pontos altos da interação ator platéia.

Confira em www.youtube.com os filmes:

O Jovem Werther


Santa Vida Profana.