sábado, 13 de dezembro de 2008

JORNADA DO PENITENTE




Jornada dos Penitentes a Pirapora

BOM JESUS DE PIRAPORA

Há um período na liturgia católica, em que se celebra a Semana Santa. Nesta fase relembra-se a paixão de Jesus Cristo no Monte Calvário, sua morte e ressurreição para a salvação da humanidade.
Neste período também é que ocorrem romarias para uma pequena cidade nas cercanias de Jundiaí e São Paulo, denominada de Bom Jesus de Pirapora. Inúmeros são os relatos de milagres ocorridos pela intervenção de Bom Jesus, santo protetor da cidade que se encontra na Igreja .
A história da localidade, seu desenvolvimento está suficientemente comentada na internet. O assunto que desejamos abordar não são nem os aspectos religiosos envolvidos nesta liturgia, nem fatos incompreensíveis por vezes observados assim como os testemunhos existentes na “Sala dos Milagres” do referido santuário.
O ponto que iremos nos concentrar são as forças, motivações internas envolvidas nestes romeiros, bem como as dificuldades que se submetem para cumprir com suas promessas.
Pessoas das mais diversas regiões do Estado de São Paulo, mais freqüentemente da região do Médio Tietê, movidas por um espírito de busca de alguma graça, de gratidão por alguma alcançada, para cumprir promessas, seja própria, de familiares ou de conhecidos, lançam-se na estrada, saindo das mais diversas localidades, e dirigem-se a esta cidade.
Este é o pivô desta prova de fé, coragem e resistência que se submetem os penitentes. Alguns poucos falam de seu compromisso ou graça atingida, mas a energia e garra com que cada um deles defende a peregrinação é incontestável. Na grande maioria das vezes o motivo está ligado à saúde pessoal, de familiar ou de pessoa próxima. Outras vezes está ligado às mais variadas metas que se propôs atingir, e que foi conseguido.
A convicção inquebrantável de terem sido agraciados por um bem maior, que seguramente nunca poderia ter sido alcançado apenas pelas próprias forças ou vontades próprias, ou com auxílio de outras pessoas ou meios cria provavelmente a visão milagrosa do que se almejava. É uma área brumosa onde o inatingível mistura-se com um toque mágico, materializando por fim uma realidade.
Por mais incrível que possa parecer, os romeiros distribuem-se nas mais diversas classes sociais. Encontramos desde pessoas simples, com baixa escolaridade até elementos de nível superior. Mas a realidade é que a fé não escolhe nem cor, crença ou idade. Mesmo o ateu, descrente de um Ser Superior, não deixa de ter fé e confiança em algo, como em sua capacidade, sua soberania íntima, o seu ser e existir.
Observamos dentro do catolicismo apostólico romano um certa tendência ao afastamento do homem do exercício religioso cristão, envolvido pelo crescente materialismo e técnica que o envolve diariamente. Se ontem tínhamos procissões habituais de uma série de festas religiosas e que hoje não a observamos mais, parece que ainda os romeiros, ainda em menor número, a professão destes penitentes ainda permanece ainda arraigada dentro da cultura do Médio Tietê.
As pessoas que mais habitualmente dirigem-se à Pirapora são das cercanias da própria cidade, como Tietê, Itu, Salto, Capivarí, Piracicaba, São Pedro. Consideramos interessante lembrar que a distância entre Piracicaba e Pirapora são aproximadamente 127 quilômetros. Mas já encontramos pessoas de Santa Maria da Serra e Brotas carregando suas cruzes pelas estradas. O tempo médio de locomoção entre Piracicaba e Pirapora com uma cruz é de uma semana. Entre Brotas e Piracicaba é também de uma semana (distância aproximada de 100 quilômetros). Romeiros de outras origens também são observados, como oriundos das cidades de Jundiaí, Santa bárbara d’Oeste, Americana, Campinas, Indaiatuba e outras das cercanias.
É um período mínimo de uma semana ou mais andando por estradas ora asfaltadas, ora de terra, ora por trilhas pelo interior de fazendas. Há necessidade de um preparo físico e psicológico exemplar.
Os romeiros locomovem-se das mais diversas formas, de carros, motocicletas, bicicletas, cavalos ou mesmo a pé. Carregam consigo algum dinheiro, roupa de corpo, cobertor. O intuito é de chegar a Pirapora. Alguns poucos desistem no percurso pelos mais diversos motivos, mas os mais freqüentes são aqueles ligados à saúde.
O tempo estimado de locomoção a pé entre Piracicaba a Pirapora é uma semana carregando cruz, de quatro dias quando se caminha sem cruz. Percorre-se a mesma distância de carro em aproximadamente de três horas. Todo o cuidado é necessário, visto a estrada ser extremamente perigosa, com muitas curvas, diversos trechos com acostamento em péssimas condições ou ausente. A isto se acrescente pessoas andando a pé, outras carregando suas cruzes, bicicletas e inclusive animais em ambos os sentidos. A mínima distração pode ser fatal para alguém.
Os que vão a pé nada mais levam do que roupas de corpo, cobertor e uma lanterna. O cobertor tem a função de dar proteção noturna bem como ser colocado no ombro para amortecer os danos da cruz com os ombros. Apesar disto, a grande maioria acaba com o ombro ferido, queimado pelo suor, calor, atrito e o peso. Outros perdem totalmente a pele e são obrigados a desistirem do intento. Outros problemas não raros são assaduras, queimaduras solares, desidratação, insolação.
Comumente, tenta-se utilizar de chinelos, que segundo alguns, favorecem menos o aparecimento de bolhas. Calçados fechados causam problemas, pois acaba ocorrendo inchaço das pernas, e com isto, ferimento nos pés.
São freqüentes as promessas desta jornada não apenas por um, mas por vários anos seguidos. Há pessoas que o fazem por décadas.
As rotas são as mais variadas possíveis. Muitos associam o caminho pelo interior de fazendas, diminuindo o percurso. E o melhor é fazer isto de dia, pois ano a ano as paisagens modificam-se, sendo impossível a visão de pontos de referência, sendo quase seguro a perda do caminho a seguir. Também nestas rotas, um acidente noturno pode ter conseqüências imprevisíveis quanto a se ter auxílio para obter assistência médica.
As cruzes tem os mais diversos tamanhos. As menores habitualmente têm 6 a 7 metros de comprimento. Mas há outras em que o comprimento chega a 30 metros. A construção da cruz pode ser feita de diversas maneiras. Algumas são ocas para diminuir o peso. Mas não é raro atingirem 100 quilos ou mais. Algumas possuem rodas na sua extremidade, o que facilita seu transporte pelo asfalto, mas dificulta em terrenos acidentados. As sem rodas são mais difíceis de serem transportadas no asfalto, mas vencem os terrenos acidentados com maior falicilidade.
Os romeiros fazem o possível para chegarem em Bom Jesus do Pirapora na sexta-feira santa. Neste dia, tanto o pátio anterior bem como o posterior da igreja ficam lotados com as cruzes levadas. Não é incomum se contar um número acima de 100.
Come-se como puder. Dentro da mochila sempre vai um sanduíche, para amenizar a fome. Há poucos locais onde se possa comprar comida. Nas estradas encontram-se pessoas que, dentro de suas promessas, está incluso o auxílio ao penitente. Geralmente existe em alguns locais, um caminhão parado com uma cozinha volante, onde come-e um prato de arroz com feijão e alguma mistura. Nada é pago, mas sim oferecido como um óbolo ao viajante. Também se fornece água potável. Água é um problema sério. Em alguns segmentos da viagem consegue-se comprar água. Mas em muitos, é necessário conseguir o precioso líquido em rios e lagos. Por este motivo, o cantil também é uma peça imprescindível para quem faz esta viajem.
Dormir é outro problema. Alguns têm recursos para poder alugar um quarto, tomar banho e repousar. Mas hotéis são raros e a grande maioria não possui acesso a este privilégio. Os banhos em sua grande maioria se restringem aos tomados em rios e lagoas. Para descasar o corpo alquebrado, o habitual é encontrar um local mais protegido do vento e frio, onde eles se embrulham em seus cobertores e passam a noite.
Os perigos a serem enfrentados são os mais diversos. Um deles é o de assalto. Pouco há para se roubar, mas furta-se. Em virtude disto, os romeiros costumam andar em grupo de pelo menos 4 ou 5 pessoas. Isto fornece uma proteção maior entre os elementos.
Muitos preferem locomover-se a noite. Isto cansa menos, mas oferece maior risco de atropelamentos. Não é por acaso que encontramos cruzes na estrada. Quase que seguramente neste local alguém perdeu a vida. Ao se tentar andar por atalhos, nas fazendas, pode-se tomar o caminho errado, e conseqüentemente, confundir-se com exato percurso, fazendo-se com que além de se ter de refazer o caminho, haja a necessidade de dormir no local, e esperar o dia raiar para poder se localizar.
Outro perigo que não pode ser esquecido é o risco de contato com animais peçonhentos, como cobras e escorpiões, principalmente durante o período do entardecer e o noturno. É um encontro quase que fatal, se não se conseguir auxílio médico a tempo. Há necessidade de se empregar condutas discutíveis imediatas, e depois se procurar auxílio.
Conquanto a locomoção durante o período diurno seja mais dificultoso, devido ao calor, ela é muito mais segura.
Este é um pequeno vislumbre dos penitentes a Bom Jesus do Pirapora.