sábado, 25 de setembro de 2010

DIVAGAÇÕES


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Há momentos que, dentro de uma retrospectiva existencial, começamos a reavaliar série de fatos, alguns vivenciados, mas a grande maioria em que fomos testemunha durante nossa existência.
Ontem surgiu a vontade em divagar sobre as experiências, implicações existenciais das gerações pós-guerra, e as mais diversas influências que foram submetidas. Oriundas basicamente de uma criação férrea, onde as rédeas familiares e sociais eram extremamente curtas, estas pessoas, devido a uma série de fatores, que citaremos alguns, despiram-se do bridão que eram submetidas, e começaram a andar cada um em seu próprio passo e pelos locais que lhe mais apetecessem.
Há 50 anos iniciou-se um movimento de contra cultura, com a formação de comunidades hippies, que foram sedimentados com o “Summer of Love” (1967) e o Festival de Woodstock (1969).
Há aproximadamente 40 anos, quando entrou no circuito “Satyricon”, de Frederico Fellini (1920-1993), obra que ressalta os costumes sobre a Roma antiga. Seguramente o caráter de exposição deste filme, associados a outros contemporâneos, como “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick (1928-1999), foram importantes na modificação existencial dentro de uma juventude que via em “Hair”, “Oh Calcutá”, dos movimentos contra culturais já mencionados e outros, novas formas de se encarar a motivação existencial como uma busca de novos objetivos, valores e sensações (muito diferentes dos impingidos pelos genitores e a sociedade), em que viessem a constituir em mundo onírico, a busca ilimitada pelo prazer descompromissado, tendo como apoio “As Portas da Percepção” (1954) de Aldous Huxley, Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio (1939) de Henry Miller (1892-1980), os 120 dias de Sodoma do Marques de Sade (1740-1814), e ainda solidificados nas conseqüências diretas e indiretas na juventude, da Segunda Guerra Mundial, da Guerra da Coréia e incluso a Guerra do Vietnam. Assim como o livro 120 dias de Sodoma, Laranja Mecânica ousou a esboçar os “deleites” criminosos de agressão, estupro e assassinato, ignorando o sofrimento das vítimas e desrespeitando o mínimo da dignidade e dos direitos humanos, mas também não deixou de retratar a resposta de uma sociedade vingativa, malévola e cruel com seu algoz, e tudo isto regado ao som do 4º movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven. Se fosse apenas para se mostrar condicionamentos psicológicos, haveria outras formas mais acessíveis que esta contínua violência grátis. Só nos resta lembrar sua última parte da 9ª de Beethoven, onde está colocado o Ode à Alegria, de Schiller (1875), que tem significado extremamente profundo:

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!

Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!

Teus encantos unem novamente
O que o rigor da moda separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu vôo suave.

A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se connosco!

Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.

Ela nos dá beijos e as vinhas
Um amigo provado até a morte;
A volúpia foi concedida ao verme
E o Querubim está diante de Deus!

Alegres, como voam seus sóis
Através da esplêndida abóboda celeste
Sigam irmãos sua rota
Gozosos como o herói para a vitória.

Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.

Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes ao Criador?
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.


A “descoberta” ou melhor dizendo, a conscientização da presença de um novo mundo, basicamente onírico, mas passível de ser saboreado parcialmente, paralelo com o nosso, já era referida por William Blake (1757-1827) no conceito que "Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito". Esta será uma das bases para a concepção de “As Portas da Persepção”. Sigmund Freud (1856 1939) e Carl Gustav Jung (1875-1961) também enveredaram-se pelo mundo onírico para análise e entendimento de distúrbios mentais. Esta foi a justificativa para o uso de drogas, fosse como uma chave que abrisse porta para novos mundos, seja para o uso psiquiátrico das drogas, processo atualmente não mais aceitos.
Poderíamos classificar no mínimo como surrealista todas estas colocações anteriormente citadas.

Independente de seus personagens centrais Encolpio, Gitone e Ascilto (de Satyricon), que fundamentam as aventuras dos personagens e seus valores morais, que oscilam dentro da liberdade irrestrita e vivência de libertinagem sem limites, da lauta refeição celebrando a morte, do minotauro e todos os outros conceitos expressos por Gaius Petrônius Arbiter (27-66) em plena época de Nero, da visão de Kubrick, de Blake, de James Rado (1932-) e outros (Hair), de Kenneth Tynan (1927-1980) (Oh Calcutta), o que realmente observamos é um eterno ciclo existencial dos fatos, da busca do prazer, de “novas experiências” repetitivas, onde os antigos conhecimentos caem no esquecimento e são “reinventados” posteriormente por outras pessoas, até a real tomada de consciência dos fatos, como o narrado no excepcional texto de Fernando Pessoa, no Cancioneiro:

Conta a lenda que dormia

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Se falarmos sobre vida e morte, ambivalências e receios do ser humano, sobre incapacidade de enfrentarmos situações do sol nascente, da inquietação de que depois do poético pôr do astro rei, que este não mais venha a brilhar nos céus, se desejamos moldar o amor homoerótico como forma homofóbica de relacionamento, de termos medo dos “elefantes” e desejarmos ser simples “formiguinhas” dentro do mundo de “Cléo e Daniel” (Roberto Freire 1927-2008), bem como enfrentamos o papel de Gaby ou Benjamim, tudo isto são opções que nascem e se exteriorizam, que se moldam quando de posse de nossas vivências e experiências, quando atingimos a capacidade de, controlando o superego, mesclarmos o ego e o id de forma mais harmoniosa possível. Reprimindo o superego ao maior nível até o ponto de aniquilá-lo, poderíamos desfrutar de realizações de nossas maiores realidades íntimas de uma forma mais e mais crescente até atingirmos um ápice, onde se encontram, quase sempre escondidos dentro do mais profundo âmago do labirinto de nossas mentes, nossas mais secretas ambições, mas sempre se constituirão de experiências extremamente perigosas, de conseqüências totalmente imprevisíveis. Existem, pois, dentro de cada um de nós, inúmeros Mazzaropi, John Wayne e outras miríades de pessoas, todas com seus grllhões. Existe Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Mas não dão vislumbres de viverem a não ser em nossos maiores e soturnos pesadelos. Basta apenas, dentro da realidade diária, termos a capacidade e coragem de entreabrirmos as portas onde moram para ver o que ocorre... Seguramente não iremos encontrar muitos “Sidarta”, mas seguramente diversos “Lobos da Estepe”. Se ousarmos escancarar as portas e rompermos as amarras, primeiramente iremos ver, observar, sentir, e seguramente depois seremos obrigados a conviver, se não formos englobados e até mesmo totalmente dominados por todos estes demônios libertos que habitam no nosso íntimo...

Não devemos esquecer que o ser humano tem ódio e medo do homem total e irrestrito, pois constitui a medida de sua própria ineficiência e frustração interior. Constitui este último a âncora e ponto referencial onde se cria a possibilidade de avaliar a medida da incapacidade de cada ser humano, o que é intolerável, pois o conscientiza de seus próprios valores íntimos, muitos dos quais seguramente obscuros e violentamente reprimidos. Exemplificando o fato, entre múltipos exemplos plausíveis, basta relembrar Édipo Rei (Sófocles), Electra (Sófocles), Relatório Kinsey (Alfred Charles Kinsey 1894-1956) entre outros.

Talvez Joseph Rudyard Kipling (1865-1936) tenha a mais significativa colocação existencial quando se refere em “Kim” à “Roda da Vida” (Bhavachakra) e introduz este conceito criado pela extinta escola Savastivada.

Se desejarmos avançar mais dentro do estado metafísico do espírito, mas descompromissado dos valores religiosos passados ou atuais, nada melhor que o “Bardo Thödol”, para vislumbrar valores etéreos que se sublimam, e como nuvens de fumaça, sobem esvoaçantes pelo ar, mesclando-se com ele até desaparecerem.

Em suma, se podemos analisar ocorrências sob um prisma material, mesclando as observações de fatos passados sob a visão atual (independente de sua validade), em hipótese alguma podemos olvidar o exame dos mesmos sob o prisma psicológico, conseqüência acarretadas pela mescla das vivências das realidades existenciais com o mais profundo de nosso interior.
Dentro da maturidade que se segue ao se varrer quase todas as experiências possíveis, quando atingimos a fase de “espectador como Sidarta, vendo o rio passar...”, acordamos para algumas realidades que não conseguimos ver dentro da impetuosidade anterior, que reza “um povo sem passado é um povo sem futuro”, e o mesmo se aplica ao conceito de família, e mesmo ao próprio conceito pessoal.
Uma última consideração que não poderia furtar-me a fazer em relação a tudo que foi abrangido neste ensaio, como disse Antoine de Saint Exupéry (1900-1944) em sua imbatível obra “O Pequeno Príncipe”, “o essencial é invisível aos olhos”.

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