Hoje enviaram-me letra e música do
quarto movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven cantada por mil pessoas. Realmente
espantoso o desempenho. Mas, seja qual for o tamanho do coral, ela sempre será
espantosa pela sua musicalidade, e principalmente pelo Ode de Alegria (1785),
de Schiller (1759-1805).
Acredito que seria de importância relembrar que Schiller foi filho de cirurgião militar. Entra para academia militar, inicia e abandona o curso de Direito e adentra no de Medicina. Neste tempo tem verdadeira paixão pela literatura, como Plutarco, Shakespeare, Klopstock, Goethe, Lessing, Kant, Voltaire e Rousseau.
(Barítono)
Oh
amigos, mudemos de tom!
Entoemos
algo mais prazeroso
E
mais alegre!
(Barítonos, quarteto e coro)
Alegre,
formosa centelha divina,
Filha
do Elíseo,
Ébrios
de fogo entramos
Em
teu santuário celeste!
Tua
magia volta a unir
O
que o costume rigorosamente dividiu.
Todos
os homens se irmanam
Ali
onde teu doce voo se detém.
Quem
já conseguiu o maior tesouro
De
ser o amigo de um amigo,
Quem
já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se
conosco!
Sim,
mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma
única em todo o mundo.
Mas
aquele que falhou nisso
Que
fique chorando sozinho!
Alegrias
bebem todos os seres
No
seio da Natureza:
Todos
os bons, todos os maus,
Seguem
seu rastro de rosas.
Ela
nos deu beijos e vinho e
Um
amigo leal até a morte;
Deu
força para a vida aos mais humildes
E
ao querubim que se ergue diante de Deus!
(Tenor solo e coro)
Alegremente,
como seus sóis corram
Através
do esplêndido espaço celeste
Se
expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente
como o herói diante da vitória.
(Coro)
Abracem-se
milhões!
Enviem
este beijo para todo o mundo!
Irmãos,
além do céu estrelado
Mora
um Pai Amado.
Milhões
se deprimem diante Dele?
Mundo,
você percebe seu Criador?
Procure-o
mais acima do céu estrelado!
Sobre
as estrelas onde Ele mora.
De
imediato evoca-me a ideia do filme “Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), de
Stanley Kubrick (1971).
O extremo, onde o conceito de poder absoluto, em ultra violência gratuita, com o intuito de apenas a satisfação pessoal (ou sob qualquer outra justificativa) é algo inaceitável dentro da lógica e sanidade humana. A frase “o homem é o único animal racional: mata por prazer...” é o limite conceitual social do intolerável e inadmissível como grau de liberdade humana. Também o oposto, a submissão incontinente e voluptuosa é altamente impudica e libertina, carreando o mesmo sabor de asco e repugnância.
Mas o “pool” destes dois conceitos opostos, e a isto ainda acrescentado o Ode da Alegria constituem o núcleo explosivo da pluralidade humana em todos os sentidos, que na sua forma global, independente dos valores morais, sociais ou qualquer outro que se possa imaginar, levam a visão humana ao seu ponto mais independente do meio que o cerca, e intolerável, frente às condutas e decisões que possam ser assumidas neste estadio.
Quando abandonamos por alguns breves momentos a mediana da existência da conduta humana, e nos atrevemos a abrir as portas para observar estas condições particulares existenciais, começamos a nos sentir massacrados e verdadeiros párias sociais frente à impúdica ausência de limites e suas consequências. Mas de outro, a concepção de sensação de plena e total liberdade existencial, do absoluto poder sem limites, no limiar do inatingível, da satisfação contínua e ilimitada, da não fronteira a não ser aquela que eventualmente impomos a nós mesmos sem qualquer interferência, são fantasias de conquistas que podem ser saboreadas com total e indescritível prazer. E este sabor não se consegue em nenhum outro local ou modo, e sob nenhuma outra justificativa. O gosto de poder sobre a vida e morte de qualquer coisa é extremamente envolvente, e também periculoso e perigoso. É uma verdadeira ameaça a qualquer coisa, material ou imaterial que exista. Mas leva ao êxtase divinal. O bel prazer de criar ou varrer permanentemente da existência alguma coisa é o primeiro passo do êxtase do poder absoluto. E assim nos aproximamos ou de deus ou do diabo.
Todo o poder absoluto embriaga... e corrompe. Pois chega um momento que começamos a ver as coisas sob um prisma deturpado, que foge à realidade. Chega-se um momento que nós próprios criamos as verdades e realidades, plantamos os fatos e erigimos as continuidades segundo nosso sabor. Este exercício de se criar uma mundo fantasia, conquanto seja algo benéfico dentro da habilidade em se erigir, e transformar idéias em plena realidade, de outro lado pode-se tornar altamente maléfico. Este é o começo da perdição de qualquer um que se julgue acima da média. E, quanto mais avançamos nestas realidades virtuais, mais nos aproximamos dos deuses. É claro que o mero esboço de se atingir estes objetivos, por mínimos que sejam, seremos julgados como verdadeiro diabo. Nossos atos nunca poderiam ser entendidos como construtivos, positivistas, mas sempre pelo verso, onde o objetivo único é a destruição. E mesmo que assim o fossem, o ciúmes e a limitação de outros em fazer o mesmo seria o estímulo para os similares destruírem aquilo que não entendem ou foge à sua capacidade de realização.
Quando chegamos ao ponto de esboçar poder conduzir as realidades segundo nosso bel prazer, é chegado o momento de se ter a lucidez em nos afastarmos deste cálice de vinho, por mais saboroso que ele seja, e simplesmente parar. É chegado o momento do ocaso, e de encerrarmos todas as atividades, sejam elas quais forem, nos despojarmos desta capacidade e mergulharmos na simplicidade existencial. É chegado o momento em simplesmente pararmos de agir, e simplesmente sentarmo-nos à beira do rio, observando as águas passarem...
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