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1833
Goethe, em seu leito de morte:
Lich, mehr licht! Luz, mais luz!
Que silêncio sepucral... O vento não
mais acaricia nem ao rosto nem ao corpo... O calor abrasador envolve todos e a
tudo, obnubilando a mente... Parem este trem que quero descer... respirar... correr e gritar aos sete ventos... Quero sentir
a chuva bater nos cabelos e escorrer pelo corpo... Não quero mais sentir o
gosto salgado e amargo do suor a escorrer pela face... Não quero os olhos a
arderem com ele... Quero sentir os
pulmões se encherem de ar... Quero sentir o odor da floresta e o perfume das
flores... Quero estar em comunhão com tudo aquilo que está ao meu alcance e me
envolve... E também a tudo que desenvecilha de meus dedos ou é apenas fruto da
imaginação ou de um pensamento fugidio... Quero escorregar pelas teias de
aranha, e ver o luar refletindo em seus fios tremulantes... sentir junto a mim o frio orvalho preso em
suas tênues tramas, como um bálsamo que alivia todas as dores e sofrimentos do
corpo e alma... Quero ouvir o canto das estrelas. Quero ver o sol a brilhar, raiando
no horizonte, pintando o céu de lilás, como eterno mensageiro da vida... Quero
me perder no universo... quero...
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Quero ver a alma a explodir em
miríades de estrelas, faíscas esvoaçantes a brilhar, cintilando na fria e negra
noite do inverno da desesperança... rasgando o sereno e deixando uma delicada trilha
leitosa de vapores que de esvaem com a brisa... e mais à frente reunirem-se novamente, numa
eterna transmutação... Tal qual a fênix, é o renascimento a própria e contínua roda
da vida...
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Quero o fantástico pirlipinpim para
poder voar à Terra do Nunca... É claro, depois que costurarem minha sombra
fugidia em seu devido lugar... Imaginou viver sem sombra? E conceber o que é existir
para depois morrer tão totalmente, que não sobre sequer o nome como algum mero rastro
de nossa existência? Seria a morte absoluta?
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Quero retirar do ventre do jacaré o
relógio que nunca para e infernizar o Capitão Gancho com seu eterno tic-tac...
E vê-lo quase morrer de medo de perder a segunda mão... Como são lindos e
construtivos nossos medos... Fazem com que a gente amadureça e cresça no dia a
dia... ou então nos submergem no total ostracismo da covardia...
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Quero... quero? Não...
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Não quero acordar deste mundo de
sonhos, perfumado bálsamo que ameniza as dores e o desespero do existir,
transformando-a em doce toque de Midas. Não me deixe acordar... Não... não... Deixe-me
mergulhado neste doce mundo de fantasias, de sonhos, onde tudo acaba no bem.
Nele não existe maldade, mendacidade, traição ou qualquer outro fato
desagradável que subsista. E o bem sempre supera o mal, sem danos a quem quer
que seja... inclusive até ao próprio
mal, numa eterna e vã tentativa de subverte-lo a mudar de lado...
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Deixem-me ser a eterna criança com a
mente voltada para a magia da meninice da infância... de Branca de Neve, das
bruxas e princesas... dos castelos que tentam arranhar as nuvens... Deixem-me ver Rapunzel jogar sua
trança da torre... e ver a dançarina com suas sapatilhas vermelhas a bailar
eternamente, ou mesmo a tartaruga levar o coelho atravessando o mar em suas
costas para a terra mágica. Deixem-me ver a menina com frio terrível
aquecendo-se na breve chama esvoaçante de um palito de fósforo. Deixem-me
vivenciar as histórias de Tom Mix, Shazan e Capitão Marvel... Tarzan, Zorro e o
Fantasma... ou o próprio Arsène Lupin... Deixem-mergulhar nos contos do X9, do
Ellery Queen’s magazine. Deixem-me voar no hiperespaço, e conhecer outras estrelas
e seus planetas, outras formas de vida. Deixem-me vivenciar toda a ilusões
imagináveis. Deixem-me ainda continuar a ser o eterno infante e permanecer
vivendo no mundo da fantasia.
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Enfim, deixem-me a sós. Destino, afasta-me
de Caronte e permite-me ficar mergulhado nos braços de Morfeu acolhendo-me no
Monte Olimpo, e ficar a comtemplar eternamente Gaia.
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Piracicaba, outubro de 2012
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